Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

Aristocratas criminosos

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Aristocratas criminosos Netflix/Divulgação

E está bombando na nossa estimada Netflix a série Gentlemen, esquisitamente traduzida como Magnatas do Crime. Nela, um nobre inglês herda uma antiga propriedade após a morte do pai, duque de alguma coisa, e descobre que o nobre duque faturava muita grana a partir da exploração literal do underground palaciano. O novo e jovem duque descobre que herdou a propriedade e o que acontece no subsolo – e eles são, como se sabe, inseparáveis.

A premissa é legal e, em diferentes momentos, funciona. A Inglaterra é uma sociedade de classes, de uma forma que é provavelmente incompreensível para nós, plebeus nascidos na América, mais particularmente no Brasil, cujo único nobre de direito é o Barão de Itararé. A Inglaterra é, mais corretamente falando, uma sociedade de castas, diferenciadas por origem, título, escola que frequentou e forma de linguagem que usa, mais do que renda propriamente dita.

Downton Abbey fez um enorme sucesso sendo um novelão que mostrava os dois andares, o dos nobres acima e o dos trabalhadores abaixo. Todos com vidas, mas muito, muito diferentes em praticamente tudo. Gentlemen navega pela superposição de dois mundos também, o da aristocracia decaída e o dos traficantes em ascensão, e isso produz interesse.

Os aristocratas europeus são uma classe à parte, pra valer, mas sempre ganharam dinheiro com o crime do momento. Grandes fortunas europeias se criaram a partir do comércio de escravos e da exploração do trabalho escravo no Caribe. Até aí, nada de novo.

O que atrai, na série e no filme que antecedeu a série, é o que essas narrativas apresentam de um mundo visto através da ótica particular de um diretor chamado Guy Ritchie, a.k.a. ex-marido da Madonna.

Ele já vem desenvolvendo a sua forma há algum tempo, em filmes como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998) e Snatch – Porcos e Diamantes (2000) – onde aparece Brad Pitt em seu talvez melhor personagem, o cigano trambiqueiro em seu dialeto incompreensível. E essa forma tem, na sua essência, algo que eu chamaria de publicitária, ou a soma da eficácia visual com uma densidade isoporiana.

Gentlemen não é diferente. Visualmente, tudo é bom. Os personagens, em si, são ótimos, um tanto estereotipados, talvez. O irmão irresponsável, quem nunca? A moça fria, inteligente e competente, que sabe mais do que todo mundo, quem nunca? Os criminosos dotados de Q.I. e capacidade de expressão, quem nunca?

Mas, sendo Guy Ritchie ele mesmo, a série vai ter tudo isso, mas numa dose levemente exagerada, e nisso a gente sai da trama e vai buscar uma cerveja – e, quando volta, perdeu um tanto da motivação pra ir em frente.

Os alemães são os reis das expressões perfeitas, e eles dizem que algo pode ser Bedeutungsschwanger, ou grávido de significado, cheio demais de coisas pra gente achar legais e cool. Me parece que temos um caso disso, de uma narrativa feita pra ser cheia de significados, e até que é.

A questão, pelo menos como este que vos atormenta aqui nesta coluna vê, é que os significados não significam assim taaaaanta coisa. As frases são bem escritas, mas estão lá mais pelo impacto, mais ou menos como todo o resto.

Fica o efeito, mas falta a causa.

Pra mim, plebeiamente, a série diverte, e gera bons momentos, mas tendo apenas algum Sturm, e pouco, quase nenhum Drang. Como ela não é alemã, ou romântica, se faz ver.

Então, veja.

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