Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

“O Turista” não tem turismo nem turista

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“O Turista” não tem turismo nem turista Netflix/Divulgação

Estimados leitores, esse que vos atormenta com estas mal traçadas linhas tem medo de algumas coisas: barata, festa de formatura, sushi de supermercado e turistas. Turistas russos em particular, mas essa é outra história.

Coisas como a CVC, pra mim, é a confirmação de que o mundo pós-industrial não deu certo. Andar por todo o canto, fazendo coisas absolutamente uniformizadas, e ainda por cima visitando Roma em três dias, com um deles livre pra compras, é prova de que a gente tá precisando de um bom asteroide e um recomeço da História.

Digo isso tudo pra explicar por que eu levei tanto tempo pra olhar pra série O Turista, na minha, na sua, na nossa Netflix. Ela já está na segunda temporada e eu não tinha chegado nem perto, e a culpa é do título. Que, por sinal, não tem nada a ver com o que acontece na história e, sinceramente, apenas serviu pra manter a mim, talvez a outros mais, longe dela.

Porque, de turismo ou turistas, a série não tem absolutamente nada. What’s in a name, como diz Julieta – a do Romeu. Nesse caso, o que existe no nome é um baita desvio do tema e da história, o que não deixa de ser curioso.

O Turista não tem turismo, a não ser que a gente considere que idas pra todo lado do sertão australiano seja turismo. Talvez possa ser, pra alguém do agreste sertanejo buscando alívio pra saudade de casa.

O Turista também não tem turista. Ninguém ali viaja por prazer, ou pra curtir uma dor de cotovelo no cruzeiro do Roberto Carlos. O título, caros leitores, é o grande enganador nessa história, e eu caí feito um patinho e levei duas temporadas pra ganhar coragem e apertar o play. Pois, acreditem. É bom.

O Turista é sobre outra pergunta, que não What’s in a name, e sim Who am I?. Quem sou eu? Todo mundo se pergunta isso de vez em quando, enquanto corta as unhas no banheiro, não é mesmo, caros leitores?

No caso, na série, a questão é agravada pelo fato de o nosso estimado protagonista sofrer uma perda tão total de memória que é surpreendente que ele ainda saiba usar garfo e faca. Mas, se ele não lembra de nada, os caros leitores, e as caras leitoras, vão lembrar do ator que faz o turista desmemoriado.

Sabem o gostosão do horroroso 50 Tons de Cinza? Ele. Que, pra corrigir, fez o papel de um rapaz levemente psicopata em duas ótimas séries britânicas, Happy Valley e The Fall. Jamie Dornan é o nome dele.

Basicamente, O Turista funciona a partir desta premissa: o protagonista não faz ideia do que ele seja, mas consegue entender que alguma coisa muito feia ele aprontou, na vida em que tinha memória. E essa questão mais ou menos conduz a história e sustenta o nosso interesse pelo que acontece. Vamos descobrir junto com ele quem ele é, e o que fez de tão mau assim, nos tempos em que ele era ele.

Uma narrativa precisa de tensão, ou não se sustenta. A tensão vem de oposições que são construídas por quem narra a história, o tal de roteirista. No caso de O Turista, os roteiristas parecem estar sob influência de forte medicação, tal a variedade de situações absolutamente improváveis que eles criam, em sequência. Se são plausíveis, eu não sei, mas, se plausibilidade fosse critério, quem acreditaria em canguru?

Um dos elementos que sustentam a série são as interações entre o narrador e a doce e fofíssima wannabe policewoman Helen Chambers. Falando dela, eu recomendaria que os caros leitores dessem um jeito de encontrar um filme alemão dos anos 1980, Estação Doçura, em que a também fofíssima Marianne Sägebrecht prova por A + B que todos os amores são possíveis. Lembrei do filme na hora em que a Helen entra em cena.

Enfim, sabem quando roteirista toma um café e pensa: qual é coisa mais maluca que eu poderia colocar nesta história neste exato instante? Pois é. O Turista é basicamente isso, e mais a lindinha da Helen.

Vejam.

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