Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

Parem as rotativas e vão ver “Shogun”

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Parem as rotativas e vão ver “Shogun” Star+/Divulgação

Estimados todos vocês, parem. Se estiverem parados, comecem alguma coisa só pra poder parar de novo. Está nas telas da minha, da sua, da nossa Star+ e Disney + a melhor série sobre o Japão medieval desde que o Japão medieval existiu, e ela se chama Shogun.

Em 1975, o autor britânico James Clavell publicou Shogun, um de seus romances de inspiração na história ou cenários da Ásia. O livro era racista pra caramba, tornava a milenar cultura japonesa uma sucessão de caricaturas, fez muito sucesso e dele saiu uma série igualmente racista, xenófoba e que não era exatamente uma obra de arte, e bem ao contrário disso, mas também fez sucesso, ao menos entre os ocidentais.

O problema de sempre com o Japão é que ele foi a primeira nação não-branca, europeia, protestante, nórdica a se industrializar e competir com o Ocidente em termos mais ou menos iguais. O Ocidente estava acostumado a chegar nas Américas, Oceania, África, Ásia e pintar e bordar e colonizar, com base no que Jared Diamond chamou de Armas, Germes e Aço, as vantagens competitivas que a Europa trazia quando invadia continentes menos avançados em tecnologia industrial da época. O Japão viu a chegada do Ocidente, viveu ondas de entradas das primeiras potências europeias em sua expansão marítima – portanto, Portugal e Espanha – e na sequência suas concorrentes, Holanda e Inglaterra, todo mundo querendo um pedaço do rico bolo do comércio com o Oriente.

O Japão resolveu o assunto em duas fases. Na metade dos anos 1600, pouco depois de Shogun, o Japão expulsou todos os estrangeiros e os manteve longe de suas ilhas por 200 anos. Na segunda fase, em 1850 e algo, o Japão entendeu que, se não se apropriasse ele mesmo da tecnologia ocidental, ele viraria mais uma colônia.

O Japão fez uma das mais rápidas e dramáticas industrializações do mundo, e em poucos anos foi lá e derrotou nada menos do que a terceira ou quarta potência mundial, a Rússia. O Ocidente nunca perdoou ao Japão essa arrogância de se considerarem iguais aos brancos.

O que eles não computavam é que isso não descrevia o que os japoneses sentiam. Eles, na realidade, se sentiam basicamente melhores do que praticamente todo mundo, e resolveram demonstrar isso nos anos 1930 e 1940, quando invadiram a China, o Pacífico e só foram contidos com duas bombas das quais vocês já devem ter ouvido falar, uma em Hiroshima, outra em Nagasaki.

Shogun acontece ao redor dos anos 1600, quando portugueses e espanhóis tinham firmado presença e monopólios no Japão e China, e isso é sacudido com a chegada de um navio holandês pilotado pelo navegador John Blackthorne (com um nome criado para tornar sua pronúncia especialmente difícil para os japoneses – parabéns, James Clavell). A história se baseia na incrível vida real do inglês William Adams, que fez mais ou menos tudo que acontece na série, sob o nome japonês de Anjin San.

A nova série Shogun é diferente do que veio antes por ser boa, muito boa, e olhar com o respeito merecido para a sofisticadíssima cultura japonesa. O Japão, e eu tive o privilégio de ir conhecer Tóquio e Kyoto a convite da Fundação Japão, é um dos países mais sensacionais e fascinantes do mundo, e isso sem se falar da comida. Eles criaram uma cultura única, em um ambiente único, com uma identidade poderosa, que torna o que é japonês diferente de tudo que existe. E, em grande parte do tempo, melhor do que quase tudo que existe.

A nova série Shogun reconhece isso, e é com admiração que o inglês olha para tudo ao seu redor. Ele reconhece a capacidade, inteligência, disciplina, atenção para o detalhe, obsessão pela qualidade, orientação para o respeito e para a ordem de uma sociedade que criou um país rico em um ambiente duro e frugal.

John Blackthorne, a versão ficcional de William Adams, quer ser mais do que um náufrago. Quer conquistar, quer causar, e percebe que o que ele conhece, o mundo, a navegação, a história dos conflitos europeus, o torna valioso para Lord Toranaga, o homem que quer ser Shogun, o líder de todo o Japão.

A série mal começou, dois episódios foram ao ar, mas dá pra ver muito bem por que ela está causando o espanto que causa. A gente vai ter que aguentar o ritmo infernal e um episódio lançado por semana, mas assim é a vida, desde que as plataformas resolveram acabar com a farra da temporada inteira no ar. Vai ser um por semana, e aqui vamos nós.

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