Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

A adorável Julia

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A adorável Julia HBO Max/Divulgação
Julia Child existiu e transformou os Estados Unidos como pouca gente conseguiu. Nos idos anos 1960, quando a televisão ainda era uma novidade, ela conseguiu unir o país inteiro em uma rede de sabores a partir do seu programa The French Chef, em uma pequena emissora de televisão pública de Boston, Massachusetts. A combinação de fatores que levou Julia até o lugar inesperado de criadora de toda uma nova percepção de gastronomia para os americanos é a fonte da otimíssima série Julia, da HBO Max, que está ali mesmo para a sua degustação, em duas deliciosas temporadas. Julia já foi filme, e com nada menos que Meryl Streep no papel. Pois a inglesa Sarah Lancashire dá um banho, e mostra pra Meryl com quantas arfadas e viradas de olhos se cria uma cozinheira e pessoa sem igual. Sério. Sarah é a melhor atriz que eu vi em ação nos últimos tempos, e, juntamente com seu bando de ótimos atores, incluindo a Isabella Rossellini, que agora também é francesa (provavelmente pro David Lynch não encontrar ela), arrasam. Pra quem quiser entender a amplitude dessa atriz, vejam a também ótima série Happy Valley, em que ela é uma policial sem nenhum charme em uma região igualmente insípida da Inglaterra. Os Estados Unidos do pós-guerra eram o mesmo tempo riquíssimos e um deserto de informação gastronômica. A culinária americana se concentrava na ótima comida pioneira do meio-oeste e dos velhos tempos, e alguns polos de comida decente em lugares onde os imigrantes ainda não haviam sido pasteurizados. Numa sociedade que uniformiza, que quer os mercados iguais, a primeira coisa que um imigrante faz é esquecer tudo que sabia do país de origem, especialmente a comida. Nos Estados Unidos daqueles tempos, pão era de sanduíche, branco e sem sabor; café era aquela água marrom servida nos diners. Julia viveu na França, estudou na Cordon Bleu, transformou a si mesma, compreendendo com os franceses que a vida é pra ser cuidadosamente salivada. De volta aos Estados Unidos, ela publicou um livro sobre culinária francesa, e os acasos a levaram até a televisão, nos seus primórdios, e o resto é história. Uns poucos anos antes, lá por 1530, Catarina de Médici casou com o futuro rei Henrique II, da França. Ela trouxe toda a sua equipe de cozinha de Florença, então muito mais adiantada do que Paris. Catarina de Médici ensinou os franceses a usar talheres e comer com sabor e elegância. Ou seja, a famosa cozinha francesa nasceu na Itália. Julia Child decide que essa é a sua missão, ser a Catarina de Médici dos USA, e a série nos mantém ali, firmes, enquanto a história se faz ver. Eu realmente acredito que a comida nos salva. Sou da turma do Jeffrey Steingarten, famoso crítico de gastronomia – que ganhou o prêmio Julia Child Cookbook, por sinal. Ele diz que não quer entender a vida ou a natureza, e prefere devorá-la. A vida está aí pra isso, enquanto houver dentes e um sentido de prazer. […]

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