Polarizações brasileiras
O Brasil sempre foi um país polarizado. Um dos truques de um dos lados da polarização consiste em denunciar a obsessão por polarizações, mais ou menos como a direita faz ao dizer que a separação entre esquerda e direita não faz mais sentido. É assim:
– Não grenaliza!
Pode-se ter certeza de que o cara está grenalizando. O Rio Grande do Sul já esteve polarizado entre farroupilhas e imperiais, chimangos e maragatos, getulistas e antigetulistas, arenistas e emedebistas, favoráveis e contrários à ditadura de 1964. O Brasil nunca saiu da polarização, sendo a primeira delas a oposição entre os pró-Portugal e os defensores da independência brasileira. A polarização mais contundente se deu entre escravistas e abolicionistas. As marcas do escravismo ainda estão por toda parte.
Gilberto Freyre resumiu as polarizações brasileiras em Casa Grande & Senzala e Sobrados e Mocambos. Nas últimas décadas, estivemos polarizados em tucanos e petistas. A polarização atual é entre bolsonaristas e antibolsonaristas. Para certo Karl Marx, que não se pode citar sem temer uma visita do Comando de Caça aos Comunistas, a história da humanidade é a história das polarizações entre classes sociais, sendo, no capitalismo, a oposição entre burguesia e proletariado. Se essa polarização está ultrapassada, resta a sua essência, donos da grana e sem um centavo, capitalistas e vendedores da força de trabalho, proprietários e sem nada de seu, ricos e pobres, empregados e desempregados, conservadores e progressistas, etc.
Não faltam razões para polarizar. O Brasil mestiço ainda vive a polarização entre racistas e suas vítimas. A maioria das propostas antipolarizadoras serve a um dos lados da polarização, jogando para baixo do tapete a evidência que incomoda. O racismo defende que não se fique falando em racismo para não dividir a sociedade. O machista acha que o melhor para a sociedade é não se ficar denunciando os efeitos nefastos das suas práticas. O centrismo, em geral, não passa de uma maneira de tapar o sol com a peneira. Entre os mais radicais costumam estar os defensores da moderação, aquela que dissimula divisões.
Nem todo apelo ao centro é falsificação. Na hora das definições, no Brasil, porém, o centro tende para um lado. Em geral, o lado direito. Talvez um dia as polarizações desapareçam. Para isso será necessário eliminar desigualdades profundas, que separam e cimentam diferenças abissais e razões suficientes para formar em lados opostos.
O escravista sempre quis que o escravizado o visse como um benfeitor. Reconhecer a existência de polarizações não significa defender que elas devam se perpetuar. A superação, contudo, não virá da negação por decreto. Toda vez que alguém diz, em abstrato, “não polariza”, é necessário verificar o que está se desejando encobrir.
– Não grenaliza, pô.
Grenalizou.
Por baixo da camisa bege há quase sempre uma cor escondida. A polarização que marca o Brasil é a do senhor e do escravo. Ela assume muitas faces para tentar permanecer. Não adianta fingir que passou.