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Carlos Augusto Bissón: A aliança católico-evangélica de direita e o novo embaixador do Brasil nos EUA

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Carlos Augusto Bissón: A aliança católico-evangélica de direita e o novo embaixador do Brasil nos EUA

Há um indiscutível avanço da penetração das igrejas neopentecostais/evangélicas nas camadas mais humildes da população da América Latina, particularmente no Brasil – o maior país católico do mundo. O fenômeno, frise-se, é mais observado com indignação do que entendido sem paixão pela maioria dos analistas (e não é objeto deste texto). A esquerda brasileira, particularmente, já incluiu os evangélicos na sua demonologia particular, ao lado do imperialismo norte-americano e dos setores financeiro e industrial. Tanto que, na recente renúncia de Evo Morales à Presidência da Bolívia, ela imediatamente responsabilizou esses religiosos pela crise naquele país, ocultando ou ignorando que um dos mais atuantes líderes do movimento de oposição é católico fervoroso (Luiz Fernando Camacho). E omitiu que a Igreja Católica boliviana se opôs radicalmente a um novo mandato de Evo já há dois anos e que, diante dos protestos pós-eleição de 2019, pediu que ele renunciasse. Tendo como alvo, portanto, a atuação politicamente conservadora de muitos desses grupos evangélicos, poucos setores de esquerda começaram a perceber o ressurgimento no Brasil de algo que parecia morto, cujas raízes podem ser encontradas na Ação Integralista Brasileira e na Tradição Família e Propriedade (TFP): o do catolicismo militante de direita. O líder intelectual desse movimento difuso, porém espontâneo e bastante disseminado pelo país, é Olavo de Carvalho, uma espécie de sucessor do intelectual conservador ultra-católico Gustavo Corção (1896-1978). E é aí partir de Olavo que pode se entender a provável indicação de Jair Bolsonaro do porto-alegrense Nestor Forster Jr., 56 anos, como novo embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

Libertário na juventude, mas conservador na maturidade, Forster é fluente em inglês e francês desde os 20 anos. Tem alto índice de leitura (estudou Letras na UFRGS) e é diplomata de carreira. Sob o ponto de vista intelectual e cultural, e até de integridade de caráter, é uma extraordinária escolha, se comparada a pretensão inicial de Bolsonaro de indicar para o cargo seu filho, Eduardo. Ainda assim, Forster é outro católico extremado. Foi ele, aliás, que apresentou o também gaúcho Ernesto Araújo a seu amigo Olavo de Carvalho. E isto redundou na indicação de Araújo por Olavo para o Ministério das Relações Exteriores de Bolsonaro. É pouco crível, portanto, que o atual Chanceler também não seja um católico conservador militante. Segundo a Folha de São Paulo, uma das primeiras medidas de Araújo em relação ao currículo do Instituto Rio Branco foi a extinção da matéria História dos países da América Latina, a redução da carga horária de disciplinas como Economia e História da Política Externa Brasileira e a inclusão do estudo de autores clássicos – entre os quais Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho.

EXEMPLO MADE IN USA

Quem tem manifestado preocupação com a atuação do catolicismo de direita no Brasil é a revista on line do Instituto Humanitas (Unisinos). Ela enfatiza o uso que esses “catolibãs” fazem das fake news nas redes sociais, desrespeitando o que chama de “os princípios básicos da piedade cristã”. Isto se traduz nos ataques feitos pelos crentes conservadores à CNBB e à Campanha da Fraternidade, nos quais acusam a Igreja Católica de apoiar “entidades comunistas”. A revista também fez matéria sobre outras indicações de Olavo de Carvalho para o segundo escalação do Governo Bolsonaro. Neste caso, é duvidoso, igualmente, que os indicados não sejam católicos de direita.

O fenômeno não é, aliás, exclusivo do Brasil. Ocorre também no maior país protestante do mundo, os EUA. Lá, presidentes conservadores como George Bush (episcopal), George W. Bush (metodista) e Donald Trump (presbiteriano) ajudaram a formatar uma Suprema Corte considerada extremamente direitista. Eles nomearam cinco dos seis membros católicos dessa instituição (a única juíza progressista do grupo, Sonia Sotomayor, foi indicada por Obama). Pela primeira vez em sua história, os Estados Unidos não tem nenhum protestante em sua mais alta Corte (os outros três são judeus). Católicos de ultra-direita são também, entre outros exemplos, Steve Bannon, estrategista da campanha de Trump em 2016, o procurador-geral William Barr, o ex-deputado e ex-senador pela Pennsilvânia, Rick Santorum (o qual disse que a legalização do casamento gay prejudicaria a economia pela “destruição da família”) e os mais conhecidos jornalistas do conservadorismo extremado norte-americano: Sean Hannity e Bill O’Reilly (este um ex-metodista convertido).

A NATUREZA DA ALIANÇA

Diante desses fatos, e considerando-se que, tanto nos EUA quanto no Brasil, a maioria dos pastores neopentecostais se posicionou a favor de Trump lá e Bolsonaro aqui, a conclusão é inevitável. Estamos diante de uma informal aliança católico-evangélica de direita destinada à defesa de políticas radicalmente conservadoras nos costumes e francamente neoliberais na economia. Nessa equação, primeiro os pastores mobilizam os votos de fiéis fanatizados; vencidas as eleições, os católicos de direita ocupam cargos importantes no governo. Um dos primeiros a mais ou menos compreender intuitivamente essa movimentação nos EUA foi o humorista norte-americano Bill Maher — um ateu criado em lar católico e ex-centro esquerdista, recentemente “convertido” ao centrismo político. Em relação à América Latina, porém, o professor da Universidade de Córdoba (Argentina), Pablo Seman, é enfático ao destacar, por exemplo, que o catolicismo de direita é o responsável direto pelos acontecimentos na Bolívia. No Brasil, são poucos os que arriscam endossar essa formulação, talvez pelo peso da Igreja Católica em nossa cultura, o qual afeta, inclusive, a postura da esquerda. Tanto que esta, num divertido escamoteamento ideológico, se refere a Olavo de Carvalho e a Luiz Fernando Camacho como “fundamentalistas religiosos”… e não como católicos de direita que eles realmente são. Talvez exatamente por isso, como Caetano Veloso relatou à Globo News, há uns dois anos, o cineasta Glauber Rocha (presbiteriano) via como problema “a nossa esquerda católica”. Como Glauber morreu em 1981, não chegou a ver em toda a sua plenitude o resultado da ação das Comunidades Eclesiais da Base da Igreja Católica na formação do PT. É provável, portanto, que ele estivesse se referindo aos grupos com os quais conviveu em quase toda a sua vida: o PCB e o PCdoB…

Ressalte-se que o avanço do catolicismo de ultra-direita se dá sem o beneplácito da alta hierarquia da Igreja Católica. Pode ser visto como, digamos assim, uma “reação popular-conservadora” às declarações do Papa Francisco contra as mazelas do livre-mercado, enfatizando o combate à pobreza. Ainda assim, a atitude do Vaticano é cautelosa. Pós-Reforma Protestante (século XVI), a caravela da Igreja tem atravessado os séculos praticamente sem avarias, sempre atenta para onde sopra o vento, seja para a direita, seja para a esquerda. Talvez este seja um dos momentos em que ela atracou no porto seguro do silêncio para observar o movimento histórico, dado o vertiginoso crescimento evangélico no Brasil e nos EUA (onde o Catolicismo, isoladamente, é a maior confissão religiosa em todos os estados, excetuando-se Mississipi – que é 55% batista – sendo superado no país pela soma das demais igrejas protestantes). Sendo assim, a Igreja Católica não pode dispensar esses “guerreiros da fé” de direita num momento em que perde adeptos, sobretudo após escândalos dos padres pedófilos. E é claro que o Governo Bolsonaro não quer, de forma alguma, maiores atritos com os católicos, que ainda são a maioria da população brasileira (64%, segundo o Censo de 2010). Eles são, ao contrário do se diz, sua maior base eleitoral, pois o neopentencostais, mesmo quando somados aos protestantes tradicionais (luteranos, metodistas etc.) mal chegam a 25% dos brasileiros. E é sob este ponto de vista, do seu peso eleitoral no país, que devem ser analisadas as indicações do novo embaixador dos EUA e de que qualquer católico de direita que venha ocupar cargo importante no atual governo brasileiro.


Carlos Augusto Bissón é jornalista, formado pela UFRGS e Mestre em Comunicação Social pela PUCRS.

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