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A força contra a Covid-19 é feminina

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A força contra a Covid-19 é feminina Por Marcela Donini “Como sempre, em todas as análises que a gente faz na área da saúde, as mulheres apresentam um comportamento mais adequado do que nós homens”. Essa frase, dita pelo reitor da UFPel, Pedro Curi Hallal, passou batida na coletiva desta semana em que o governador Eduardo Leite anunciou as mudanças nas restrições ao comércio no Estado. Hallal se referia aos índices referentes à maior adesão das mulheres às medidas de distanciamento social, revelados na pesquisa coordenada pela sua universidade e que projeta a subnotificação de casos de Covid-19 no RS. A informação não me surpreende, já que, antes do coronavírus chegar, nós já estávamos dentro de casa, sobrecarregadas, cuidando do lar e dos filhos — os nossos e o de outras. Porque além de gênero, a economia do cuidado tem classe social e cor.Somos 75% da força de trabalho de cuidados não remunerado no mundo. Mesmo fora de casa, não abandonamos nossos cônjuges, filhos, filhas, irmãos — somos a maioria na fila de visitantes às cadeias.A cada ano, assumimos a chefia de mais famílias brasileiras. Já respondemos por mais de 11 milhões de famílias monoparentais no Brasil. Felizmente, fomos reconhecidas pelo governo federal e teremos direito ao dobro do auxílio emergencial na pandemia. Quando o coronavírus se espalhou mundo afora, nós entendemos a gravidade da doença e lideramos países que têm obtido sucesso no combate à pandemia. No Brasil, coordenamos o grupo de pesquisadores que sequenciaram o genoma do vírus que chegou aqui. Maioria nas enfermagens, hoje encaramos jornadas exaustivas na linha de frente contra a Covid-19. E o que o está acontecendo conosco nessa pandemia? Cuidadoras de idosos enfrentam abusos e são obrigadas por patrões a permanecerem nos lares em que trabalham. Domésticas, manicures e tantas outras trabalhadoras informais — cuja maioria são mulheres — temem a fome ou morrem por negligência da patroa.Apesar da dedicação ao lar, ele não é seguro, pelo contrário, é o mais frequente cenário da violência doméstica e dos feminicídios. No mundo todo, a situação só se agravou desde que fomos obrigadas a viver confinadas e monitoradas por nossos abusadores.Trago esse tema para evitar que, em meio a tantos problemas a se resolver — falta de leitos e de respiradores, subnotificação de casos, desemprego —, ele não seja soterrado por questões aparentemente mais urgentes, risco constante das tantas violências impostas às mulheres.Digo aparentemente porque, na realidade, são urgências que se equivalem. Porque o sistema de saúde colapsa também quando não tem profissionais em condições de trabalhar, e nós somos a maioria dessa força de trabalho. Logo, a solução para enfrentar a Covid-19 passa pelas nossas mãos. É preciso, portanto, prestar atenção às nossas necessidades. “Elas continuam carregando a carga de cuidados, que já é desproporcionalmente alta em tempos normais. Isso coloca as mulheres sob considerável estresse”, disse Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora-executiva da ONU Mulheres.Enquanto o vírus insistir em ficar, permanecemos no front. E quando ele for embora, torço para que a antropóloga Débora Diniz tenha razão:“Essa pandemia colocou como tópico prioritário da agenda a compreensão do mundo — e é aí que está a minha esperança no pós-pandemia, para aqueles que sobreviverem. Deve ser um mundo no qual vamos ter de falar da nossa […]

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Por Marcela Donini “Como sempre, em todas as análises que a gente faz na área da saúde, as mulheres apresentam um comportamento mais adequado do que nós homens”. Essa frase, dita pelo reitor da UFPel, Pedro Curi Hallal, passou batida na coletiva desta semana em que o governador Eduardo Leite anunciou as mudanças nas restrições ao comércio no Estado. Hallal se referia aos índices referentes à maior adesão das mulheres às medidas de distanciamento social, revelados na pesquisa coordenada pela sua universidade e que projeta a subnotificação de casos de Covid-19 no RS. A informação não me surpreende, já que, antes do coronavírus chegar, nós já estávamos dentro de casa, sobrecarregadas, cuidando do lar e dos filhos — os nossos e o de outras. Porque além de gênero, a economia do cuidado tem classe social e cor.Somos 75% da força de trabalho de cuidados não remunerado no mundo. Mesmo fora de casa, não abandonamos nossos cônjuges, filhos, filhas, irmãos — somos a maioria na fila de visitantes às cadeias.A cada ano, assumimos a chefia de mais famílias brasileiras. Já respondemos por mais de 11 milhões de famílias monoparentais no Brasil. Felizmente, fomos reconhecidas pelo governo federal e teremos direito ao dobro do auxílio emergencial na pandemia. Quando o coronavírus se espalhou mundo afora, nós entendemos a gravidade da doença e lideramos países que têm obtido sucesso no combate à pandemia. No Brasil, coordenamos o grupo de pesquisadores que sequenciaram o genoma do vírus que chegou aqui. Maioria nas enfermagens, hoje encaramos jornadas exaustivas na linha de frente contra a Covid-19. E o que o está acontecendo conosco nessa pandemia? Cuidadoras de idosos enfrentam abusos e são obrigadas por patrões a permanecerem nos lares em que trabalham. Domésticas, manicures e tantas outras trabalhadoras informais — cuja maioria são mulheres — temem a fome ou morrem por negligência da patroa.Apesar da dedicação ao lar, ele não é seguro, pelo contrário, é o mais frequente cenário da violência doméstica e dos feminicídios. No mundo todo, a situação só se agravou desde que fomos obrigadas a viver confinadas e monitoradas por nossos abusadores.Trago esse tema para evitar que, em meio a tantos problemas a se resolver — falta de leitos e de respiradores, subnotificação de casos, desemprego —, ele não seja soterrado por questões aparentemente mais urgentes, risco constante das tantas violências impostas às mulheres.Digo aparentemente porque, na realidade, são urgências que se equivalem. Porque o sistema de saúde colapsa também quando não tem profissionais em condições de trabalhar, e nós somos a maioria dessa força de trabalho. Logo, a solução para enfrentar a Covid-19 passa pelas nossas mãos. É preciso, portanto, prestar atenção às nossas necessidades. “Elas continuam carregando a carga de cuidados, que já é desproporcionalmente alta em tempos normais. Isso coloca as mulheres sob considerável estresse”, disse Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora-executiva da ONU Mulheres.Enquanto o vírus insistir em ficar, permanecemos no front. E quando ele for embora, torço para que a antropóloga Débora Diniz tenha razão:“Essa pandemia colocou como tópico prioritário da agenda a compreensão do mundo — e é aí que está a minha esperança no pós-pandemia, para aqueles que sobreviverem. Deve ser um mundo no qual vamos ter de falar da nossa […]

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