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A indisplicente ideia de amar de novo
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Tudo começou na mesma época em que conheci Amélia. Era 1997, um calor abafado no pátio da escola e a única árvore, que fornecia sombra e pique para a brincadeira, estava florida e tinha um cheiro bom. Bom, porém forte. Amélia não era exatamente o que eu chamaria hoje de amiga, mas naquela época a gente só via dois tipos de pessoas, as amigas e os outros. Então ela já funcionava como uma. Ela veio me entregar um recado escrito num pedaço de papel de caderno pautado, sem dizer nada. O nome dele era Rafael Mendes. O menino novo. Foi meu primeiro amor. Tudo começou naquela época, e até hoje eu tenho este fascínio pela novidade. Quando Amélia entrou na drogaria onde eu trabalhava ano passado para atender no balcão, eu achei mesmo que a comeriam viva. Cliente é uma força tempestuosa da natureza humana. Alguns acreditam que nossa pior versão é no trânsito, outros comentam de como nos transformamos em bestas nos estádios de futebol. Para mim ser cliente é o supra sumo de nossa potência de destruição. Peço perdão pelo acúmulo de adjetivos neste texto, mas são as influências dos ares argentinos de Mariana Enriquez. Amélia está lendo e vive me mandando fotos das suas páginas preferidas. A que mais gostei foi a página 145 de Nossa parte de noite: “a indissimulável alegria da inteligência”. Na página 250 tem uma boa também: “a estranha mudez debaixo da água”. Eu lhe mandei um áudio, – É muito lindo. É extremamente lindo. A beleza encarnada. Puta merda! Essa argentina é mesmo uma poeta. Senti sua satisfação de longe, como quem faz um ponto no jogo do outro. Desde sempre ela se comporta assim, um misto entre a arrogância de ser diferente de mim e a inadiável ânsia de minha aprovação. Amélia é a coisa mais antiga na minha vida, tirando as pessoas da minha família. Não sei como ainda estamos uma na vida da outra, beira um milagre. Amélia não é muito chegada em coisas novas, gosta de ficar em casa, ainda usa o telefone fixo, coleciona objetos e quando encuca com algo, vai até o fundo da obsessão. Agora, me disse semana passada, anda tão cansada de trabalhar no balcão da farmácia, que tá sem energia pra nada. Parou até de comprar compulsivamente pela internet. – Uma noite dessas eu estava rolando a páginas de tapete de banheiro antiaderente, deitada na cama, e o celular caiu na minha cara. Acho que eu cochilei. A exaustão de lidar com clientes o dia todo está lhe servindo para economizar no cartão de crédito. Quem diria, Amélia, logo tu. Isso é novo. E foi no meio dessa novidade da fadiga que Amélia se apaixonou. Mais uma vez. Na semana do carnaval só ia ter folga no domingo e na segunda. Aproveitou a farra o tanto que pôde e dobrou o horário na terça, porque duas colegas faltaram. A famosa dor de barriga de feriado. Ela anda com ambições de subir de cargo, […]