Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

A porta

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A porta Arquivo pessoal
Tinha uma porta. A conversa ia morna, mole. Eu era a mais próxima da entrada, sentada em frente ao corredor. A brisa que entrava pela janela atrás de mim mantinha a temperatura na sala amena e ao meu redor mais quatro cadeiras formavam um semicírculo. Em cada uma, um amigo. Não me lembro de seus rostos, mas sei que eram amigos. Nenhuma outra mulher e mesmo assim eu estava calma. A segurança de me encontrar sonhando e saber que nos sonhos eu tenho o poder da criação.  Quatro amigos na sala de uma casa que eu não sei se é minha, mas estou à vontade. Não sei nosso assunto, nem desde que horas estamos aqui construindo essa conversa que vai mole, morna. Alcançamos aquela altura em que cada comentário já nasceu em alguma outra conversa, num outro dia, de outra época. Outro sonho. Acordo lenta e morna. Adio o despertador mais cinco minutos. Fecho os olhos e pressinto a porta. Em seguida o ruído miúdo, desligo o despertador, abro a rede social no tato, me pergunto por que fiz isso, fecho, procuro o ícone preto e verde, clico na lupinha, escrevo “negro”, espaço, “gato”, a melodia começa. Respirando fundo, levanto em direção ao banho. O dia começa morno e leve, ainda sonolenta me visto com aquela sensação da porta entreaberta à minha esquerda. Me viro, abro mais os olhos. Nada. Esse será mais um, já tô até vendo, vou ficar o dia todo presa na imagem do sonho. A porta volta todas as noites. Não importa se deito bêbada, se assisto a um filme, se durmo com alguém ou sozinha. É só adormecer pra ver a porta. Quer dizer, ver, ver mesmo eu nunca vejo, só sinto sua presença à minha esquerda me chamando. Sempre lá. Sempre a porta. Às vezes tenho medo. Quem vai entrar pela porta? Por que logo a minha cadeira é a mais próxima? Estou desprotegida, todos conversam e riem, eu converso e rio, mas no fundo, a insegurança. O sonho avança e o relaxamento geral me oprime os ombros. Acuada no encosto da cadeira, só consigo pensar em como ser a primeira a chegar no corredor para me salvar da ameaça que espreita à porta. Acordo suada e com torcicolo. Levanto, bebo água, deito de olhos abertos fitando o teto. Alguém me pergunta algo que eu não escutei muito bem, mas respondo sem dificuldades. Não tenho certeza do que disse, porém rio largo e os outros quatro amigos riem também. Estamos todos felizes e eu percebo que alguns mudaram de lugar, mas eu ainda estou aqui, sentada na cadeira ao lado da porta, de frente para o corredor, de costas para a janela. A brisa sopra fresca. Não sei quem vai entrar, o que vai acontecer quando chegar a hora, contudo sinto a aproximação e tenho medo. Será que se eu tentar, com força, me virar para olhar, eu consigo? O sonho avança leve, lento e morno. Um de meus amigos me fala algo engraçado, […]

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