Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

A viagem

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A viagem Arquivo pessoal
Estou arrumando as malas para minha primeira viagem internacional depois da pandemia e de súbito a pergunta do meu namorado me choca: Por que você vai viajar? Como assim, por que eu vou viajar? É, por que logo agora? A gente tá passando por um momento complicado, Nathallia. Você devia ficar aqui, pra gente ficar junto e… e o quê? Ficar juntinho, curtir a companhia um do outro. Eu não acredito mas é isso mesmo. Ele me pede pra ficar. Por favor. Por favor, não seja egoísta. Cara, juro que em alguns momentos da vida as palavras somem. Isso geralmente acontece quando eu escuto coisas muito absurdas. A terra é plana. Óleo pra emagrecer. Começa com maconha daqui a pouco… Por que eu vou viajar? Bom, primeiro que deveria ser lei do Ministério da Saúde, uma vez por ano – pelo menos – uma viagem internacional para cada cidadão brasileiro. Viajar faz bem pra alma, pro sistema circulatório, pra renovação de ciclos. Joga ar nas nossas chamas de desejo e circula os preconceitos de lugar. Viajar deveria ser um direito. Quando eu voltei da Suíça, em 2019, eu tinha certeza que nunca mais ia viajar. Viver na gringa é uma possibilidade enorme de viajar bastante e eu estava abrindo mão daquilo com a consciência de quem se desfaz de um sonho em troca da saúde psicológica de retornar ao país de origem. Eu não sabia muito nem porque nem pra quê, mas eu sabia que a Suíça e sua política migratória estavam me matando aos pouquinhos e se teve uma coisa que eu sempre quis foi viver. Querer viver já me salvou várias vezes. Viajar é tão bom que só de comprar as passagens meses atrás eu já estava me sentindo mais solta, mais livre. A primeira vez que sonhei ir ao Chile foi em 2014 quando conheci a Colômbia. Foi muito louco. Eu estava recém formada e viajando pelo nordeste. Fui parar em Belém, do nada tava em Manaus num barco amazônico indo pra Letícia e aí eu cruzei a rua com meu RG na mão e entrei na Colômbia. Assim. A primeira vez que eu saía do Brasil, a pé, com uma mochila nas costas, o pé cheio de barro e o desodorante vencido. Sem glamour nenhum eu me tornava uma viajante internacional. Se você é ou já foi pobre como eu, você sabe que sair do país não é o tipo de sonho que se deve alimentar muito. Pobre sabe como qualquer desejo pode se transformar em grandes frustrações e o mundo tá aí, redondinho, cheio de gatilhos pro pobre. Eu já tinha desistido de muita coisa por ser pobre: as artes plásticas, carteira de motorista aos 18, festa de formatura em Porto Seguro. A gente vai desistindo de tantas pequenas vontades ao longo do dia e tantos sonhos ao longo dos anos que se acomoda no pensamento da irrealização. Eu já falei, cresci na estrada, já tinha conhecido muitos lugares, misturado meu sotaque. Eu já era […]

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