Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

Ahora vá!

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Ahora vá! Museu de la Memoria Foto: Nathallia Protazio
Estou no Chile há nove dias e já sinto saudades de casa. Em Santiago. Também visitei Valparaiso, Viña del Mar e Concon. Numa próxima conversa, quando alguém perguntar, eu vou dizer, sim, eu conheço o Chile, estive lá na época das comemorações dos 50 anos do golpe militar. Comemorações. Comemorar. Descobri aqui que comemorar é primeiro sinônimo de rememorar. Celebrar está em terceiro sentido no dicionário. Meu sangue brasileiro teve dificuldades de entender que nem tudo que fazemos questão de lembrar é motivo de festa. Nem tudo devemos esquecer. Viajar para cá me fez comemorar esta sensação que na falta de um nome melhor alguém um dia me explicou que é a estrada. Era 2014, estava nos meus últimos dias de visita a Salvador, vinda do Rio e indo pra Recife. Senti naquela tarde morna e lenta uma emoção nova. Uma liberdade sem pressa, a sensação de sempre ter estado pronta para aquele momento único. Tentava explicar à minha companheira de quarto e ela, com a naturalidade de uma viajante, disse: “Tô ligada, é a estrada, mana, ela te pegou. Não resista, deixe a estrada viver dentro e através de você”.  Com os pais que tive acredito que a estrada sempre esteve no meu DNA. Talvez ela seja minha única herança. Até meus quatorze anos já tínhamos morado em todas as regiões do Brasil, em umas 25 casas. Depois de adulta ainda me mudei um bocado, sendo imigrante uma vez, na Suíça. Morar é diferente de viajar, às vezes a rotina nos seduz, esquecemos o quanto carregamos de estrada nas entranhas. Deixe que me apresente. Meu nome é Nathallia Protazio, sou escritora e farmacêutica. Pernambucana de mãe e pai, moro atualmente em Porto Alegre, onde trabalho bastante e faço mestrado na psicologia social da UFRGS. Tenho 33 anos, já fui pobre, agora sou proletária e ansiosa. Não acredito que um dia serei rica, mas quero viver confortavelmente. Já fui recepcionista de hostel, atendente de pizzaria, vendedora de brinquedos, filha de pastor, melhor aluna da turma, heteronormativa e cética. Já fui casada, estudante de engenharia, violão, francês, feminismo negro e tricô. Nunca quis ser famosa, médica, bombeira, dona de casa nem loira. Já me senti muito amada, sozinha, louca, desassistida e feia.  Não suporto televisão, mentiras rasas e estampa de bolinhas. Não gosto de beterraba, carpete e ambiente tocando mais de uma música. Não consigo decorar resumo, tomar banho demorado e dormir de meia. Até consigo mas não gosto de segurar choro, comer em pé e esconder qualquer coisa pra não dividir. Se pudesse nunca mais trabalharia num feriado, nem furaria orelha de criança, nem misturaria carência com gin. Sempre sonhei em ser escritora, conhecer o mundo e ter uma casa. Um lar. Ter uma parede cheia de livros, uma geladeira para comida salgada e uma pra doce. Gosto de quintais com algum verde, o cimento me agride. Não saberia escolher que planta deve viver ou morrer num jardim, vejo beleza no mato que cresce impávido em qualquer cantinho de umidade. […]

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