Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

As cadeiras

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As cadeiras Arquivo Pessoal
Desde que comecei a frequentar este forró já vi muita coisa. Cheguei aqui sozinha, nem família, nem amigos. Só uma colocação na prefeitura e a necessidade de dinheiro. Dinheiro. Colocação. Forró. Pois, a primeira vez que vim a noite estava cheia. A lua e o salão. Tanta da gente naquele fim de semana da Padroeira que eu pensei ser este interior mais habitado que minha antiga capital. Tal nada. A ilusão da novidade. No sábado seguinte, muitas cadeiras amontoadas no canto do salão, esperando sozinhas ali reunidas as pessoas que nunca viriam. A espera às vezes tem um gosto estranho. No cardápio a única coisa que me interessou, além da cerveja, foi o caldo de mocotó. Chego cedo, pego uma mesa no canto direito próxima à saída do fundo, e faço o pedido. Sempre olho o cardápio, com a sensação de poder pedir algo diferente. Mas chamo a mocinha já meio envergonhada: “um de mocotó e cerveja”. As cadeiras vazias ainda são muitas, mas hoje sendo noite de Padre Cícero acredito que vai lotar. Palco de sonhos. Sempre ali, esperando, como vindas de um outro tempo onde as pessoas sobravam e os salões se tornavam pequenos pra tamanha beleza. Chega a cerveja. O caldo demora um pouco mais. E a moça vem com uma garrafa e um copo menor. “Hoje em homenagem ao nosso Padim, todos ganham uma dose da garrafada.” Aceito. Respeito e me sinto bem. Nada melhor do que a fé alheia para preencher um peito de esperas. O forró é bom. A noite está novamente cheia. Ela chegou um pouco tarde, com um vestido vermelho e um lenço verde na cabeça. Bonita. Como das outras vezes, não se sentou em mesa nenhuma, cumprimentou alguns e se pôs logo na dança. Ela é linda, mesmo, olhando daqui, com essa luz amarela, parece nascida dalguma labareda. Meu peito dói. Bebo mais porque não danço. Espero. A zabumba cresce, algumas pessoas se levantam de suas cadeiras. O fole do sanfoneiro parece aspirar os céus até Padim Ciço. Bebo mais uma dose em sua homenagem. Ela suada vai se chegando pra perto do balcão, pede água e vem segurando o copo, onde como todas as vezes, se apoia numa dascadeiras empoeiradas e fica a observar o ambiente. Ela está tão bonita e eu não danço. Procuro aquela fé emprestada pela garrafada, pelo ardor que é meu corpo lembrando da labareda do seu. Procuro um bom motivo que valha mais uma semana de espera e me levanto da cadeira com as pernas movidas à dúvidas. — A senhorita dança muito bonito. — Agradecida pelo elogio. — Posso te tirar pra uma dança? — Você? — É proibido? — Não sei. Nunca vi. — Eu já vi, mas também não sei – falei olhando pro chão, sem imaginar um bom motivo, por pequeno que fosse. — Dê licença, se me permite – e se afastou aceitando a mão de um parceiro. Fiquei ali parada ao lado das cadeiras empoeiradas. Nathallia Protazio é escritora e […]

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