Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
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Breakfast at Moneda

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Breakfast at Moneda Arquivo pessoal
Último dia no Chile. Domingo de manhã. Domingo já é aquele dia com cara de nada, frio, sereno e sem nenhum programa eminente, só uma coisa me tiraria da cama. Segurei a fome por mais duas horas e pouco e desisti de resistir. Visto a roupa de ontem – única limpa o suficiente – e tomo a coragem que não tinha pra gastar os últimos Lucas numa empanada com café. Luca é como os chilenos amorosamente chamam o valor de mil pesos. Uma nota verdinha, como a defunta de um real, que não serve pra muita coisa, além de me lembrar constantemente que não tenho poder aquisitivo no Chile. Normal. Una queso con jambon, por favor. Calentita. Y un café pequeño. Gracias. A padaria está quase vazia. O centro todo está quase vazio, as pessoas estão ou dormindo bêbadas em suas casas ou ficando mais bêbadas. As comemorações das chilenidads – festas nacionais do 18 de setembro – começaram desde sexta-feira e as conveniências têm vendido todo o álcool do país enquanto a polícia faz vista grossa para quem quer beber na rua. Um cara super bem arrumado e quase bonito com cara de dono da padaria me entrega o pedido e saio de volta pro frio da rua.  Eu queria mesmo era sentar numa poltrona quentinha, numa cafeteira estilo com wi-fi e pessoas inteligentes conversando sobre coisas inteligentes. Mas tá tudo fechado e como eu disse, é a festa nacional, até os inteligentes estão bêbados. Preciso de um lugar para meu café da manhã de último domingo. Começo a andar com meu desayuno mais caro da viagem num copo de plástico e um saquinho de papel, queimo meus dedos. Vou na direção contrária do hostal. Nem pensei, minhas pernas começaram a andar e percebi que não queria mesmo voltar até lá. Fui indo, comendo rua. Catedral. Bandeira. Huerfanos. Não sei onde ir, o vento tá gelado, o que eu tô fazendo aqui fora?  Pra não perder a oportunidade, começo a tomar meu café quente. Me queimo. Não resisto, a fome tá grande. Mordo a empanada. Não é a melhor que provei, mas com certeza é a melhor do mundo ahora. Animo a caminhada e já sei. O café da manhã de um domingo estrangeiro não poderia ser em outro lugar. La Moneda. Acelero o passo. Chego com o café ainda quente, aquela temperatura perfeita antes de estar morno. Me sento num banco de cimento da praça onde o prédio mostra suas costas. Gosto daqui. Me sentei neste banco todo dia. Ver os fundos deste grande prédio é uma perspectiva que me agrada, um tipo de avesso que combina com minha forma atual.  Quando viajo sinto meu corpo mudar as coisas de lugar. Os olhos nas pernas, o nariz na testa, as mãos nas costas, o coração na cara. Cada dia acordo com um órgão estranhamente deslocado de onde se encontrava ontem. Alguns se assentam durante a caminhada, outros incomodam as costelas quando esbarro em alguém ou sento num ônibus. […]

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