Das três eu sou a puta

Ele casou com a branca, deu emprego pra preta na cozinha e tá me comendo escondido. A vida tá tranquila. Democracia. O Geraldo vive dizendo que me ama, mas tem que ser no sigilo que se ficarem sabendo da gente, do pagode, da coca que ele usa pra aguentar a vida de business na Paulista, cai mal, entende, gostosa? Entende que não dá pra tu ir junto nesse tipo de evento? Claro. Claro como os olhos azuis dele, da mãe dele, da vó dele. Entende, gostosa? Entendo, e ainda bem que sou eu a gostosa. A que casou é magrela, a da cozinha é preta. Ainda bem que das três eu sou a puta. Me leva junto…? Não dá. Por quê? É que vai ter um monte de clientes e, você sabe, … – me olha de cima a baixo – eu sou muito ciumento, não dá pra confiar nessa gente. E mais uma vez não sei se ele tá falando deles ou de mim. Da minha gente. Que gente? Esse povo todinho que preto, preto não é, mas pra branco também não serve. É, eu sou assim, preta não sou, olha a minha cor, mas nunca servi pra branca. Bom, pelo menos eu sou gostosa e ele me ama. Já que eu não posso ir, vem me ver depois? Não vai dar, tem jantar com a família da minha mulher. Hum, aquela magrela. Isso, só você é a gostosa da minha vida, gostosa. Eu devo estar ficando louca e isso são só delírios. Se pra branca eu não sirvo, pra preta também não. Eu sou o quê? Não pira, Lourdinha. Ah! Amiga, tô cansada. Tô cansada, Carmen, de ficar em casa esperando a hora dele voltar. Quem me dera ter o apartamento que tu tem pra ficar “esperando em casa”. Não é meu, Carmen, é dele. Tudo é dele. Até eu sou dele, e fico me perguntando… eu sou o quê? Tu, Lourdinha, tu é a espuma… Tá vendo esse copo de cerveja? Digamos que o líquido é a preta na cozinha, e o ar é a branca que ele casou… das três tu é a espuma, nem uma nem outra… e as duas ao mesmo tempo.  Das três eu sou a puta. Fodida em nome do amor. Abandonada em nome de um nome que nunca vou ter. O que é que tu tem hoje, gostosa? Tá pensativa. É, tô me sentindo estranha mesmo. Deve ser TPM, gostosa. É que eu sou a espuma, entende, Geraldo. Eu sou a espuma e ninguém sabe o nome que a espuma tem. Nathallia Protazio é escritora e farmacêutica. Autora de Aqui dentro (Venas Abiertas, 2020) e Pela hora da morte (Jandaíra. 2022). Clique aqui e adquira seu exemplar direto com a autora.