Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

Eu já quis ser mulher

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Eu já quis ser mulher Arquivo pessoal
Eu já quis ser homem, já falamos sobre isso. Superei tal devaneio. Baite crise descobrir que o pênis é a maior biotecnologia da humanidade e não ter um. Tudo bem. A novidade agora é que eu não quero mais ser mulher. Cansei! O calor não larga e está cada vez mais difícil usar roupa pra sair na rua. Quanto mais encurto a roupa, mais corpo eu mostro, sem querer mostrar. Mais me olham, sem eu querer olhares. Assim não vou durar até a primavera fajuta que tem nesse mundo tropical. Pra piorar, como é que eu vou ser mulher com o aquecimento global chegando? Quem vai ter tempo de ser mulher enquanto tenta sobreviver à uma catástrofe climática? Com o calor a vaidade da maquiagem tá morta há meses, e durante a escrita da dissertação a tal vaidade tá reduzida a um banho diário e minha escova de dentes. Toda feminilidade é supérflua. Percebi que eu sou o meu corpo, sirvo para fazer o que eu quiser, independente do que estiver vestindo, calçando ou carregando. Este corpo que sua, que se cansa da posição da cadeira, que tem de ter dedos rápidos e pensamento solto. Eu sei, você deve tá pensando ‘‘Nathallia, qualé, somos melhor do que isso, pensei que já tivéssemos superado esse papinho anos 70, repetidos nos 2000’’, e eu te pergunto, ‘‘Superamos mesmo? Só se foi você, por que eu acho que não superei’’. Desde dezembro tentando passar de mestranda à mestre e como de costume entrei num túnel de reflexão que me levou a uma avenida sem nome, completamente desconhecida. Não posso mais ficar aqui escrevendo fingindo que sei do que estou falando. Então resolvi confessar. Não sei. Não sei nada. Uma amiga me convidou pra escrever um texto sobre a (possível) existência da ‘‘escrita feminina’’ e eu eufórica que sou achei que podia fazer. Fiz. A intenção era boa, mas convenhamos, eu não respondi nada. E sabe por que eu não respondi? Porque eu não sei. Pra falar de escrita feminina eu teria que saber o que é feminino e pra saber o que é o feminino eu teria que conhecer sua origem, seus contornos e limites, se existem. A origem do feminino é a mulher? Ou é o homem ao imaginar a mulher? Ou é um fruto híbrido dentro de lacunas sócio-psíquico-econômicas? Não sei. O que é uma mulher? Sempre fui uma mulher? Era uma mulher quando queria ser um homem, ou quando desejava ser igual meus colegas de faculdade eu estava assexuada, pronta para carregar o título que quisesse? Ser mulher é uma escolha? Já foi dito que é uma construção. Pois bem, pense comigo. O ser humano capacitado de reflexão pode construir e destruir ideias. Se levantássemos a hipótese que ser uma mulher é uma ideia, como toda palavra que designa algo ou um objeto, carrega apenas em si a ideia de tal objeto ou algo, a palavra mulher deveria carregar uma ideia. Abrimos uma gaveta. O que vamos colocar nela? – […]

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