Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

Lourdinha

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Lourdinha Arquivo pessoal
Me apaixonei de novo essa semana. Na fúria de partir de São Paulo antes de 24 horas de minha chegada, aceitei uma carona até o Rio. De lá qualquer destino ao norte já está mais perto. Fui. Avisei meu amigo de longa data pré-pandêmica que estava aparecendo em sua cidade, se poderia me receber dali algumas horas. Um banho e um sono. Tu nem vai perceber. Visita que não repara, não vale a pena. Venha, só preciso te avisar de Lourdinha. Nisto, meu amigo fez uma pausa na ligação. Você tá namorando? Pensei que você nunca mais fosse namorar na vida. Não, não, a Lourdinha, como dizer… é uma irmã! Sei, irmã de quem? E foi me explicando desta amiga de um antigo trabalho, de uma antiga época, histórias antigas de uma vida da qual ele nunca havia mencionado. Nossa, quanto mistério. Se for incomodar eu posso ir pra um hotel. Não, de jeito algum, você vem pra casa. Mas tá avisada de Lourdinha. Cheguei e meu amigo já estava encaminhando uma janta, Aldir Blanc e um tinto seco. Merlot? Por supuesto! Deixei a mochila num canto da sala, no quarto passa a mensagem de intimidade, que não pode ser tomada como óbvia em nenhuma situação e muito perto da porta periga o anfitrião achar que tem de se esforçar mais para te deixar à vontade. Na casa de meu amigo qualquer pessoa está a qualquer tempo à vontade. Tomei um banho, bebi mais uma taça e enquanto cortava as cenouras perguntei, E a Lourdinha? Ainda não voltou. Hum. Foi no salão. Salão? É, de estética. Fazer as sobrancelhas, os cílios, os olhos, sei lá. Hum. (…) Que foi? Nunca imaginei irmã tua refazendo o rosto. Ah! É que você ainda não viu Lourdinha, ela nasceu pronta, mas o que a natureza deu de uma só vez, ela aprimora todos os dias. Eu estava naquele nível de felicidade ébria, olhando as palmeiras daquela rua linda no Flamengo, pensando em como eu tinha sorte de estar viva naquele momento para estar viva naquele momento, quando Lourdinha chegou. A mulher mais linda que já vi. Uma mistura de Sheron Menezzes com Dira Paes. Uma calça de academia de estampa de oncinha com detalhes rosa na região da bunda lhe conferindo perfeição. Uma blusa no mesmo rosa caída de lado mostrando o ombro direito tatuado delicadamente, nela tudo era assim, delicadamente forte. Quase que um anel em cada dedo, argola de ouro, olhos marcados com Kajal. Eu achei que seria impossível maior infinitude de beleza quando vi, em seu tornozelo esquerdo, uma medalhinha de São Jorge, ali eu soube. Eu estava perdida. Muito perdida. Ela entrou fazendo barulho, reclamando do taxista que havia reclamado do atraso da esteticista, que tinha reclamado do horário que o fornecedor aparecera. Se perguntando onde naquela onda de reclamações, ela, Lourdinha, uma pobre cliente, tinha culpa. Essa cidade é assim, ninguém sabe onde a reclamação começa, mas ela vai uma hora te encontrar. Aquele taxista misógino. Então, quando […]

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