Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
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Os filhos e filhas de Dona Djanira

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Os filhos e filhas de Dona Djanira Arquivo pessoal
Todos os filhos e filhas de Dona Djanira tinham seus nomes iniciados com a letra M de Maria Celeste, sua finada mãezinha, que Deus a tenha. Mercedes, a mais velha. Miguel, o mais velho dos homens. Marciana, porque Dona Djanira só se curou dos enjoos bebendo umbuzada. Madalena, nasceu no primeiro dia da quaresma. Mauricéia, barriga difícil, teve que ir nascer no Recife. Mauro, menino nascido gordo, com cabelo e com saúde. Maximiliano, o mais mirradinho, passou dois meses dormindo com a benção de Dona Lourdes, dois raminhos de alecrim e borra de café no pé do berço. Meirieli, a que veio num sorriso. Mariana, dizem que já chovia há vinte e um dias sem parar. Marco, Saiu num pulo quase caindo de cima da cama. E Ana, a mais nova. Ana foi a única criança da região que não chorou quando nasceu. Dona Terezinha de Ló, a parteira, nunca mais olhou nos olhos da menina, nem mesmo no dia de seu casamento ou quando enterrou Luís de João Bode. – Espere completar três meses, se nem Deus nem o Diabo levar, pode batizar. Dona Djanira chorou todas as lágrimas que a pequena Ana não derramou. Chamou o pároco, mas este já prevenido pela história da disputa que estava sendo travada no paralelo espiritual pela alma da menina, lhe advertiu: – Existem mais mistérios entre os Céus e as Terras do que a ignorância humana é capaz de absorver. E se recolheu em sua inserventia sábia. Dona Djanira desesperou-se. Dava de mamar à pequena Ana e lhe beliscava os bracinhos e perninhas para ver se ela chorava, como a menina não esboçava nenhuma reação lacrimosa, Dona Djanira caia diariamente em prantos. A notícia se espalhava em maior velocidade que seus pedidos de socorro aos Céus. Pediu bênção ao Padre da Matriz, ao da Catedral, ao Bispo da Diocese, ao Arcebispo da Arquidiocese. Ditou palavra por palavra, lamento sobre lamento, uma carta que traduzida da língua das mães insones para o latim antigo dos Santos Primeiros atravessaria o oceano com a sofreguidão de uma última esperança ao Cardeal do Império. Nenhum homem santo ousou importunar Seu Supremo Superior para interceder pela alma em disputa. – Nossos esforços nesse tipo de caso só iriam atrapalhar sua filha, Dona. Não se deve incomodar os Céus nem o Inimigo nos seus preceitos. A Fé de Dona Djanira, abalada e cambaleante, lhe deixava de dia, quando iniciava seu ritual de dar o peito e chorar, e lhe abraçava de noite, quando cansada percebia que a pequena Ana tinha sobrevivido mais um dia ao seu lado. Nesta brincadeira de perder e reencontrar Dona Djanira, a sua Fé se pôs a caminhar pela região. Livre das constantes preces emboladas e impossíveis que há anos escapavam como sussurros da respiração de sua dona, a Fé se viu inútil. Nathallia Protazio é escritora e farmacêutica. Autora de Aqui dentro (Venas Abiertas, 2020) e Pela hora da morte (Jandaíra. 2022). Clique aqui e adquira seu exemplar direto com a autora.

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