Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

Ready to run

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Ready to run Arquivo pessoal
Cheguei em Porto Alegre há muito tempo, no dia 15 de maio de 2019, três meses depois de assinar meu divórcio e voltar da Suíça. Vim com a expectativa de trabalhar, morar perto para circular a cidade a pé e beber muita cachaça para entorpecer a dor. Vim pra viver na esperança de haver vida após o divórcio. Cheguei aqui em Porto Alegre, há quatro imensas décadas, divorciada, quebrada e mais cansada que o Batman, e apesar da umidade e alcoolismo – pasmem! – reconstruí uma vida.  No resumo  até que não vou mal, hoje sou farmacêutica numa drogaria do Bom Fim, estou no mestrado da Psicologia Social da UFRGS ali na Ramiro, participo do Coletivo de Escritores Negros reunidos na Biblioteca Pública do Estado e escrevo para a Matinal Jornalismo aqui em casa, na Cidade Baixa. Ou seja, meu perímetro urbano de circulação é bem restrito. Me tornei uma pedestre bem sucedida. Se me distraio um pouco olhando lá fora as nuvens que pairam, parece que virei a adulta que sonhava ser. Tanta grana e horas em terapia, crises no boteco, conversa com as amigas, choro calado, choro barulhento, texto escrito antes do expediente, provas feitas na coragem e na loucura. Além de toda sorte no encontro com pessoas amigas. Quero dizer, acho que sou feliz e vivo bem, obrigada.  Repassava a minha vida destes últimos anos olhando pela janelinha do avião, voando do aeroporto Arturo Merino Benítez, em Santiago, para o Salgado Filho. Uma emoção vasta me preenchia e abraçava a cena esbranquiçada de nuvens que nos faziam companhia lá fora. “Acho que estou mesmo voltando pra casa” e a sensação de Porto Alegre ser minha casa parecia tão absurda quanto natural. Por que não seria se é onde eu moro há bastante tempo?  “Estou voltando pra casa”, me repetia olhando pela janela sem saber se a sensação vinha de estar mesmo voltando para Porto Alegre ou se era mais uma alegria em cruzar os céus de volta ao Brasil. Por que Porto Alegre não seria a minha casa se foi a cidade que abraçou meu processo de reencontro comigo mesma? “Sim, eu só posso estar voltando para casa, com certeza, eu estou sim voltando para casa”   Fechei os olhos sentindo dentro de mim as tempestades que povoam o céu sobre as Cordilheiras e me entreguei à música das irmãs First Aid Kit nos fones de ouvido: Who did I think I wasAs I narrowed in closer to the Sun?And perhaps I’ll feel like this foreverI’m always ready to runReady to runReady to run. Sinto como se não tivesse mais nenhuma obrigação com a cidade. Agora, aqui neste avião me sinto livre para ir para qualquer lugar. Qualquer cidade. Mas ir para onde? Para casa. Qual casa? Talvez se posso só ir seja o momento perfeito para ficar. Ficar só porque quero. Ficar só porque posso. Ficar porque não preciso jogar minha vida toda dentro de uma mochila a cada amadurecimento e zerar o jogo numa nova cidade. […]

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