Juremir Machado da Silva

Cem anos do Pacto de Pedras Altas

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Cem anos do Pacto de Pedras Altas Mesa com Eneida Salgado | Fotos: Juremir Machado da Silva

O Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS), com a presença da sua presidente, a desembargadora Vanderlei Teresinha, realizou grande evento, em Pelotas, sobre os “Cem anos do Pacto de Pedras Altas”, acordo que selou o fim da chamada Revolução de 1923, quando borgistas e assisista passaram um ano peleando nas coxilhas da campanha e em algumas cidades do estado, como Alegrete, São Francisco de Assis, Uruguaiana e Pelotas, que chegou a ser tomada pelo maragato Zeca Neto por algumas horas. A guerra civil resultou de uma duvidosa interpretação da Constituição de 1891. Para que o governador pudesse ser reeleito, como Borges de Medeiros, teria de alcançar “três quartas partes dos sufrágios do eleitorado”. Para oposição, 75% dos votos de todos os inscritos. Para a situação, 75% dos votantes.

Peninha arrancando gargalhadas

Fui um dos palestrantes do encontro. Falei no encerramento, depois de Eduardo Bueno, o bravo Peninha, que gravou 11 vídeos com pílulas para o TRE-RS.

Antes de mim, palestrou o atual proprietário do Castelo de Pedras Altas, que pertenceu a Assis Brasil, o empresário Carlos Segat. Ele quer restaurar o imóvel e abri-lo à visitação pública. Procurou dez empresas em busca de apoio no âmbito de leis de incentivo à cultura e recebeu dez nãos. Como se sabe, cada incentivador fica na obrigação, como contrapartida, de doar 5% do valor comprometido, que resultará de renúncia fiscal do estado. Será que não tem empresa com senso histórico para ajudar? O castelo tem uma biblioteca com obras raras. Segat, de luvas, mostrou um Alcorão. Ele vê no castelo um legado a ser compartilhado com visitantes.

História em dia

Carlos Segat emocionou-se ao falar do castelo de Pedras Altas

O evento do TRE-RS foi completo, com visitas às charqueadas de Pelotas e, encerramento, no sábado, em Pedras Altas. O Pacto de Pedras Altas, assinado em 14 de dezembro de 1923, pôs fim à reeleição do mandatário do estado e impôs a eleição do vice-presidente do estado, até então nomeado pelo presidente. Mas Borges de Medeiros pode cumprir o seu mandato, o quinto, até o fim. Sobre a polêmica das três quartas partes dos sufrágios do eleitorado ele havia argumentado bem: “Votaram na eleição de 25 de novembro 138.598 eleitores; deixaram de votar 129.092; total: 267.690 eleitores inscritos; três quartas partes desse total são: 200.766; mas votaram no candidato à reeleição 106.360 eleitores; logo, não estaria reeleito por não ter alcançado os três quartos, que deveriam ser de 200.766 eleitores. Daí resultaria que um eleitorado inativo de 129.092 eleitores teria prevalecido sobre o eleitorado ativo de 138.598 eleitores”. A questão era outra; como os votos haviam sido obtidos.

A oposição ficou abraçada com sua tese que os 75% deveriam ser calculados sobre o total de alistados para votar, mesmo que alguns pudessem ter morrido entre a inscrição e a eleição. Faltou pouco, porém, para quem alcançasse mais de 25% dos votos sobre os que de fato foram às urnas. Haveria mudança de opinião se isso tivesse ocorrido? Para a revista Time, conforme pesquisa de Larissa Fraga, em artigo para o livro que Álvaro Larangeira e eu organizamos, “Cem anos da Revolução de 1923: história, mídia e cultura”, considerava que o “objeto da revolta também é mantido em profundo segredo”. Era cansaço com o longo reinado de Borges. O pretexto para a guerra civil, porém, era um mal-entendido hermenêutico ou uma estultice interpretativa na esperança de que o presidente Arthur Bernardes, que não tivera a apoio de Borges para a sua eleição, decretasse uma intervenção no Rio Grande do Sul. A União, porém, pasmem, ficou neutra.

Liberou a degola. E, apesar dos desmentidos, teve gravata colorada.

Foi como a União dissesse para o país inteiro em tom de gravidade: em briga de chimango e maragato não se mete o canhão.

Flores da Cunha, o civil que virou comandante da Brigada do Oeste, jurava que era contra a degola, que só teria sido praticada pelos adversários: “Foi nesse combate [de Ponche Verde] que o notável Coronel Batista Luzardo procurou reabilitar-se da fama que os seus próprios companheiros lhe atribuíam: matou, com as próprias mãos, alguns pobres soldados que, abandonados, encontrou numa carroça. Cometeu, ainda, maior façanha: a vários uruguaios, servindo nas nossas forças, mandou falar e, verificando que se exprimiam em castelhano, imediatamente os degolou ou fez degolar”. Décadas depois, num momento de paz com Luzardo, Flores tiraria de suas memórias esse trecho desairoso, que voltaria depois de sua morte.

Degola nas páginas de O Estado de São Paulo

Se Artur Ferreira Filho louvou a guerra civil de 1923 pelo comedimento, o assisista Rego Lins, em quatro textos, “Sangue e Ruínas”, nas páginas do jornal O Estado de São Paulo, deu nome a degolados: “Às degolações do dr. Gustavo Staller e de Francisco Corrêa de Moura no Herval Seco seguiram-se outros cruéis assassínios na região serrana estendendo-se a sangueira hedionda desses justiçamentos sumários a todas as regiões do Rio Grande do Sul”. Rego Lins era de faca na bota: “Nada mais natural que tivesse a serra, onde começou a degola, a parte mais dolorosa da sangueira geral. De lá partira o grito de rebeldia contra o usurpador detestado no momento em que este, armado de uma sem-cerimônia de saltimbanco político e com as costas guardadas pela polícia e capangada ameaçadora, se apossara do governo, após a comédia indigna do reconhecimento por um simulacro de assembleia moldada na do Paraguai de Lopes, que, dado o obscurantismo deplorável daquele país, talvez fosse melhor e menos servil”.

Mesmo enfatizando a sua repulsão a esse método, Flores da Cunha narra outros episódios em que não se gastou pólvora com maragato. Claro que a execução ecológica foi praticada em escala bem mais modesta do que em 1893-1895, quando as degolas de Boi Preto e Rio Negro avermelharam os pastos.

Pedras Altas trouxe, depois de onze meses de barbárie, a paz argumentada. O ministro da Guerra, Setembrino de Carvalho, já que não usava seu exército para debelar o conflito, serviu de diplomata. Assis Brasil e Borges de Medeiros não foram aos campos de batalha. Eram apenas políticos.

Prêmio Direitos Humanos

O nosso livro, Cem anos da Revolução de 1923, pode ser baixado gratuitamente na Biblioteca Digital Sulina, em acesso aberto.

Taíla Quadros, Beatriz Dornelles, Larissa Fraga e Pâmela Chiorotti recebendo o prêmio Direitos Humanos

No telão, a imagem de Peninha deixou o recado:

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