Juremir Machado da Silva

Continho de Natal

Change Size Text
Continho de Natal

Todo ano era a mesma coisa.

João Vieira descia da sua torre de marfim para distribuir presentes. Durante uma semana, era outro homem.

Depois, como se nada tivesse acontecido, vestia novamente a sua couraça e voltava aos negócios.

O Natal transfigurava João Vieira.

Na verdade, ele não se transformava noutro homem inteiramente. Permanecia silencioso, quase árido.

O espírito natalino não o amolecia. João Vieira detestava pieguice, melodramas e sentimentalismos.

O Natal era oportunidade para ele de fazer o bem, de minorar o sofrimento de alguns e de cumprir uma promessa que fizera muitos anos antes à sua mãe: pensar nos pobres.

Cumpria o seu papel com eficiência. Gastava uma boa quantia. Como era um homem de princípios, não delegava a sua tarefa para a secretária. Caso fizesse isso, teria a sensação de estar trapaceando. Escolhia e entregava os presentes. Com o tempo, encontrou seus métodos.

Certo Natal, pegou uma carta numa agência dos correios e foi atrás do remetente. O pedido, assinado por Lu, de 10 anos, era muito particular: Vem me ver.

     João Vieira teve medo. Pensou que podia ser uma armadilha. Imaginou-se sequestrado ou morto.

     Deixou a carta de lado por alguns minutos. Ficou pensativo. Pegou outras cartas. Já estava indo embora quando uma espécie de palpitação o fez retomar a primeira carta. Num impulso, o que raramente lhe acontecia, decidiu encontrar o remetente. Queria conhecer aquele Lu. Queria saber quem era o menino que só pedia uma visita.

     Comprou muitos brinquedos e sentou-se ao volante do seu carro. Digitou o endereço no GPS e deu a partida. Não andou 20 metros. Achou que precisava comprar alguma coisa mais útil. Entrou num shopping e adquiriu um computador e uma bicicleta. Saiu radiante imaginando a alegria de Lu.

     Guiado pela precisão do aparelho, que lhe parecia um brinquedo maravilhoso, encontrou sem dificuldade a casa do menino, que estava sentado num degrau de madeira.

     João Vieira mostrou-lhe a carta. O menino sorriu. O homem tirou do carro seus presentes. Lu sorriu novamente.

     Em poucos minutos, João Vieira sufocou o guri de presentes. Lu apenas sorria. Um sorriso tímido e bonito.

     Desconcertado com a falta de comentários do menino, João Vieira cometeu quase um excesso: pousou a mão na cabeça da criança, fez-lhe um afago e voltou ao carro.

     Já ia bater a porta quando uma ouviu a vozinha de Lu tilintar nos seus ouvidos como se fosse de brinquedo:

     – Senhor… Eu só queria…

     – Não gostou dos presentes?

     – Sim, claro, mas eu queria mesmo era…

     – Diga, menino, que eu compro.

     – Eu só queria um abraço.

     – Um abraço!?

     – Sei que é difícil, mas eu nunca ganhei um.

     João Vieira descobriu o valor da pieguice.

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.