Juremir Machado da Silva

Desmame de política

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Desmame de política Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Durante dez anos, ao lado da competentíssima Taline Oppitz, apresentei, como muitos sabem, o Esfera Pública, programa de política na Rádio Guaíba. Todo dia encontro alguém que me diz que o “Esfera” foi o melhor programa de política do Rio Grande do Sul. Alguns gostariam de conhecer os gênios que detonaram um programa com audiência, patrocinadores e prestígio. Até me pedem os nomes. Agradeço e sigo em frente. Noto, porém, que passei nos últimos tempos por uma desintoxicação de política. Já não cubro o dia a dia, embora, evidentemente, para os meus textos do Matinal e para as entrevistas que faço ao lado de Nando Gross no podcast “Do lado de cá”, do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, continue acompanhando.

O que mudou? O foco permanente na política. Qual era a consequência disso? Acreditar que cada votação no parlamento poderia levar ao fim do mundo. Políticos e militantes conseguem criar essa sensação de que a cada momento, se não for feito o que desejam, o mundo desabará. A direita anuncia a irrupção do comunismo se um projeto sobre bolinhas de gude não for aprovado. A esquerda aponta a ascensão do fascismo se uma proposta sobre QR Code não for barrada. Eu estava tão imerso nesse universo pilhado que vivia em ritmo de apocalipse. É verdade que Jair Bolsonaro tentou nos enterrar e que foi preciso manter as antenas ligadas. Essa tensão permanente contrastava com os anos em que vivi totalmente alheio à política, como se ela não existisse ou não me afetasse. Agora, em pleno desmame, não fico sabendo de tudo. Tenho a sensação de que vivemos apesar da política.

Longe de mim fazer um discurso antipolítica ou diminuir o papel da política na democracia. Estou dizendo, porém, que há uma força vital, aquilo que Michel Maffesoli chama de potência do cotidiano, capaz de nos fazer andar tranquilamente aquém ou além da política. Hoje, quando penso sobre o que vou escrever, tendo novamente a optar por assuntos de cultura. Atuei ao mesmo tempo em três campos durante anos: política, futebol e cultura. O futebol me parece a cada dia mais irrelevante. A política me chama a atenção pelo dogmatismo esportivo dos militantes. A cultura resta soberana em meu coração pacificado.

Cultura, porém, não desperta o mesmo interesse que a política e o futebol. Ainda mais que não embarco nas modas de autoajuda, coaches, não esconjuro Barbies, obras-primas por serem da Cia das Letras e outras fabulações da sociedade do hiperespetáculo. Aliás, estou louco mesmo é para ler o livro de Natalia Pasternak e Carlos Orsi, “Que bobagem!: pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”, onde os autores falam de homeopatia, constelação familiar e outros tabus da hipermodernidade. Tudo é hiper nestes tempos sub. Aonde vou parar desse jeito? Talvez como um papel esquecido entre as páginas de um livro. Interessante é pensar: quem me encontrará lá?

Se Deus me obrigasse a escolher só um terreno de criação, eu, para desespero de muitos e indiferença da maioria, não hesitaria:

Ficaria só com a poesia.

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