Juremir Machado da Silva

Itinerários fictícios do ensino

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Itinerários fictícios do ensino Estudantes protestam contra o Novo Ensino Médio em ato realizado em março em São Paulo | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Se tem uma reforma que não convence na prática é a que instituiu os chamados “itinerários formativos” no ensino médio. A ideia, parida no governo de Michel Temer, parecia um Boeing. Não passa de um velho teco-teco. Pretendia fazer de 40% do tempo de formação da gurizada uma escolha pessoal. De cinco itinerários possíveis, cada escola teria de oferecer ao menos dois. Aí a coisa já perdia boa parte do encanto. Muitas escolas não conseguem colocar no cardápio o que o distinto público deseja. Resultado: uma divisão contundente entre escolas com muitos itinerários e escolas com algumas trilhazinhas apinhadas de gente descontente e até perdida no caminho. Só se ouve um grito: acabem com essa maldita reforma fracassada.

Os relatos na mídia e na vida real sobre os labirintos formativos que se criaram com a formidável reforma tirada da cartola são muitos. Na Folha de S. Paulo do último sábado era possível ler esta matéria impressionante: “Por falta de professores, espaço físico, laboratórios e turmas lotadas, as escolas não conseguem atender a opção feita por todos os alunos e acabam por colocá-los para cursar os itinerários disponíveis. Sem ter a escolha respeitada, os estudantes têm 40% das aulas do ensino médio em áreas que não são as de seu interesse”. Vendeu-se gato por lebre. Gatos e lebres, claro, merecem respeito. O problema é convencer quem queria ter uma coisa e foi obrigado a ficar com outra. Cadê a escolha?

O texto da FSP escancara a trapalhada com um exemplo: “No 1º ano do ensino médio, a escola consultou os alunos sobre qual itinerário queriam seguir nos próximos dois anos. Janet, já decidida a ser arquiteta, escolheu a área de matemática. Mas, no ano seguinte, descobriu que havia sido matriculada na turma de ciências humanas. “Disseram que não tinham como atender a vontade de todo mundo, que tinham que organizar as turmas pra ficarem todas com o mesmo tamanho”. Pode isso, Arnaldo? Se não pode, acontece: “O pior é que, além de não ter estudado a área que eu queria, ainda diminuíram o tempo das aulas normais para ter os itinerários. Eu quase não estudei matemática, química e física”. A menina “está no 3º ano e tem apenas uma aula por semana de matemática e de português”.

Se é para vender a ideia de escolha, precisa aparelhar todas as escolas para que ofereçam o cardápio completo. Do contrário, fica-se entre os que podem escolher muito e os que são escolhidos pela falta de escolha. O presidente Lula já pediu ao seu ministro da Educação que faça o dever de casa e apresente uma proposta capaz de não propagandear sonhos e entregar decepção. Nem vou entrar na questão mais filosófica: a escola deve dar aos alunos o que eles querem ou o que ela julga que eles precisam? No mundo dos itinerários formativos de aula de alongamento e até sorteio de vaga nos poucos percursos disponíveis. Resumo da tragédia segundo Débora Goulart, professora em São Paulo: “O modelo nunca foi pensado para de fato dar opção de escolha ao aluno. Primeiro, porque quem determina quais são os itinerários são as secretarias de educação. Depois, as escolas acabam se organizando conforme a estrutura delas permite, de acordo com o número de professores, salas de aula”. Aprende-se a diferença entre projeto e realidade, utopia e pé no chão, tecnocracia e a vida como ela se revela.

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