Juremir Machado da Silva

Janonismo no uso de redes sociais

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Janonismo no uso de redes sociais Livro de Janones é " um manual de como atuar no faroeste das redes" | Foto: Renato Araújo/Câmara dos Deputados

André Janones é deputado federal pelo Avante. Anda enrolado com uma acusação de rachadinha, que ele nega em bloco. Janones ficou famoso quando desistiu da sua candidatura à presidência da República, em 2022, e passou a apoiar Lula, tornando-se mentor da campanha petista nas redes sociais. Desde antes disso ele já era muito conhecido no mundo virtual por sua atuação agressiva, especialmente a partir do momento em que se tornou porta-voz oficioso de uma greve de caminhoneiros. No recesso de fim de ano, li o seu livro Janonismo cultural, o uso das redes sociais, a batalha pela democracia no Brasil (Record). É um manual de como atuar no faroeste das redes.

Advogado, vindo de uma família pobre, Janones se apresenta como um autodidata de muita coisa, acima de tudo do funcionamento da internet. No livro, conta como atuou na campanha de Lula, fala das resistências que enfrentou e diz o que funciona ou não em cada rede social. Para começo de conversa, orienta: quem quiser falar com o Brasil profundo, das classes C, D e E, deve ir para o Facebook. O Twitter, atual X, é rede de treta de intelectual. O Instagram é o paraíso das classes abonadas e adeptas da ostentação. É no Face, entre participações de óbito, fotos de pôr do sol, registros de festinha de aniversário e poemas falsos de Carlos Drummond de Andrade, que o povo está. As palavras dele são outras. O recado é o mesmo: “Sessenta por cento dos brasileiros estão no Facebook. Gostando ou não dessa rede social, não podemos mais desprezá-la. Como não ser entusiasta de uma rede tão presente na vida do Brasil real, do povo mesmo?” Pois é…

Ainda sobre o Facebook: “Quem é o usuário do Facebook hoje? É parte de um público muito carente do ponto de vista material. Lá você não vai encontrar a Bruna Marquezine nem o Felipe Netto”. Sacou?

A ideia de que o Facebook morreu é típica de publicitário, personagem que se move segundo a ideologia do permanentemente novo. Só goza quando anuncia que algo morreu e que ele mesmo já faz parte do novo. Outro ponto destacado por Janones é a importância da live improvisada, sem agendamento, feita em modo selfie, o mais “natural” possível: “Quanto menor a produção de uma imagem, maior o impacto que ela causa. Isso vale para Facebook e Instagram”. Nunca tive dúvida disso. Aí o etarismo darwinista dominante acha que isso é ser analógico. Ou não gostar de tecnologia. Janones ensina o óbvio: “Quanto mais caseiro, mais o algoritmo vai possibilitar a entrega e mais visualizações você terá”. Dispense o coach, que só quer ganhar dinheiro em cima da sua ingenuidade, cobrando por mês por saber que não dará certo, recusando porcentagem nos lucros, e faça você mesmo.

Não há nada na internet que cada um não posso fazer por si mesmo. O coach também consulta tutoriais. Janones crava: “Mais do que não exigir a perfeição, as redes sociais, principalmente o Facebook, repudiam a perfeição. Em uma live, por exemplo, o importante é admitir o erro”. Importante: ninguém se programa para ver live. Faça de improviso. Esta historinha da campanha de Lula é muito ilustrativa:

“Em instantes já estava tudo pronto para começar a live. Eis que Stuckert [o fotógrafo oficial de Lula] pegou o iPhone que eu tinha colocado em cima de uma mesa, apoiado em um copo d’água, e protestei:

– Não, não. O celular fica apoiado na mesa. Não precisa filmar, Stuckert.

– Mas vai ficar feio!

– Sim, esse é o objetivo!”

Em palavras da rede, é preciso que seja “o mais orgânico possível”. Ao longo do livro, Janones gaba-se dos seus feitos e diz que nas redes sociais é fundamental se colocar como protagonista das coisas. Assim, foi ele quem elegeu o Lula. Essa recomendação peca por redundante. É só isso que acontece nas redes sociais. Outra lição, que poderá ser novamente útil em ano de campanha eleitoral: “Fake news não se desmente”. Distrai-se o adversário fazendo-o ter de ocupar-se com outra coisa. Janones, de certo modo, retomou o que Umberto Eco já havia explicado em um texto de 1978, “A falsificação e o consenso”: “Nada mais restaria a não ser reagir às falsificações com outras falsificações, difundindo notícias falsas sobre tudo, mesmo sobre as próprias falsificações”. Eis o janonismo. Eco esclarecia: a saída pode estar em usar “alguma técnica mais eficaz” de mentir “melhor e mais rapidamente do que os outros […] Quem vencer nessa luta será o novo Chefe”. Janones não deve ter lido Eco. O outro perigo levantando pelo italiano não é da sua conta: o surgimento dos fanáticos da “verdade”.

Eco previu a era das fake news contra fake news e a era dos cancelamentos. De resto, Ray Bradbury se antecipara em Farenheit 451.

André Janones confessa: “Não demorei a perceber outra coisa: quanto mais sensacionalista eu era, mais repercussão ganhava. Foi aí que entendi que sensacionalista é quem transforma o ordinário em extraordinário”. Ou seja, marqueteiro de rede social ou não. Na prática: “Se eles diziam que Lula era ‘ex-presidiário’, eu dizia que Jair Bolsonaro era ‘futuro presidiário”, se chamavam Lula de ‘ladrão nove dedos’, eu chamava Jair Bolsonaro de ‘ladrão dez dedos’. […] Quanto mais violência eu usava, mais desnorteados eles ficavam”. O próprio Janones reconhece que “o Twitter é a rede “mais violenta que existe”. Aliás, ele orienta: colocar links numa rede enviando para outra, não funciona. O algoritmo não distribui. Também não adianta fazer uma postagem atrás da outra. A fragmentação engole o efeito. “Por isso, não se publica link do YouTube no Facebook”, ensina.
“Mais de três tuítes por dia e Elon Musk já começa a limitar a entrega de publicações”. Em outras palavras, é preciso fazer mais com menos.

Modesto, Janones admite: “Confesso que algumas vezes me excedi”. Uau! Absolve-se: “Em algum momento eu menti? Apenas devolvi na mesma moeda, despejei o próprio veneno na goela deles, atendi aos chamados de ‘Janones, eu autorizo’”. Racionalização ou mentira para si mesmo? Um pouco de cada coisa. Afinal, as redes sociais não dizem nada além de, o que funciona é bom, bom é o que funciona”. Debord transfigurado. Janones na veia: “Ou você faz campanha bonita, com vídeos e publicações bem-acabadas, ou você tem audiência. É um ou outro, nas redes nunca dá para ter os dois”. Sapatênis no Facebook não cola: “Por isso, quanto melhor for sua publicação, em termos estéticos, menos público ela vai alcançar. A não ser que você patrocine, pague um pedágio, para alavancá-la”. Mais claro, impossível. Fazer o quê?

Último recado: “As redes sociais só valorizam a figura do herói, do influencer, do mito (e vão se aprofundar cada vez mais nisso)”.

As redes sociais são a continuação da barbárie pelos meios mais sofisticados da tecnologia. Inteligência artificial a serviço da estupidez natural. Tanta sinceridade provocará alguma desconfiança.

Janonismo cultural ou político?

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