Juremir Machado da Silva

Almodóvar na área

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Almodóvar na área

Olha o cara aí de novo, gente! Com a Penélope Cruz melhor do que nunca. E a Milena Smit não deixando por muito menos. Em “Mães paralelas”, disponível na Netflix, o cineasta espanhol faz o que sabe: namora com o melodrama, explora coincidências improváveis, semeia cores vivas, até nos celulares, e angula alguns rostos cubistas. Mas não é para rir. Sem comédia. Há uma pitada de política numa espécie de resposta aos delírios da extrema direita atual. O franquismo aparece como prática de extermínio a ser combatida em todas as mutações.

Uma relação entre duas mulheres, que se encontram num quarto de maternidade, faz uma virada de jogo na clássica fabulação do criador. Houve um tempo em que se saía de casa para ver filme de ator; depois, veio a era dos diretores. Muito fui ao cinema ver um Bergman, um Fellini, um Woody Allen. Chegou, porém, um tempo em que os diretores pareciam extintos, salvo exceções. A diferença passou a ser outra: não ter mais de sair de casa. Foi tudo, quem sabe, uma ilusão: os diretores estão por aí. Os cinemas é que correm perigo. Deus os proteja. Almodóvar faz parte de um time especial, como se fosse um Maradona ou Zico em tempos de Messi, CR7 e Neymar. Não exatamente isso, mas, em falta de analogias mais sofisticadas, fica valendo temporariamente. De vez em quando, claro, tem uma furada em bola.

Em “Mães paralelas” o cineasta exagera, às vezes, nos esquematismos. O sugerido no ponto A será encontrado literalmente no ponto B. O público canta a jogada e corre para o abraço. Confira, leitor, o olho de vidro. Não é algo que comprometa o filme. Nada o compromete. Além disso, a lógica do melodrama salva qualquer deslize. Está tudo na conta. Tem dois planos, paralelos, pois as mães andam juntas, envolvidas, não em paralelo: uma história de amor e uma história política bem menorzinha, que abre e fecha o conjunto para não dizer que o autor não falou de flores nem de armas. Só as histórias de amor interessam. Desde sempre. O resto é segundo plano, pano de fundo.

Outro lance que me chamou a atenção: o ciúme irrompe furioso e desaparece assoviando. Sou um chato. Fico me apegando a detalhes sem qualquer importância, suponho, como se condenasse o Messi por ter feito o gol sem dar uma janelinha no adversário que se oferecia para a glória. É que tenho muito tempo livre. O franquismo é uma cova cheia de cadáveres de familiares que todo mundo sabe onde fica. Abrir o buraco e arrancar de lá os fantasmas é abrir o armário e se preparar para o confronto com o presente. Tá aí, Almodóvar mandou mensagem.

*

Quando eu morri, um coveiro triste,

Desses que fogem do sol,

Disse: “Descansa em paz, camarada”.

Contato: [email protected]

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