Juremir Machado da Silva | Juremir Machado da Silva

Annie Ernaux e sua literatura minimalista

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Annie Ernaux e sua literatura minimalista Foto: Frankie Fouganthin

Na bolsa de apostas dos “nobelizáveis”, a francesa Annie Ernaux não era o nome mais cotado. Na própria França, meu amigo Michel Houellebecq aparecia mais bem posicionado. É verdade que seu último romance, “Aniquilar”, embora espetacular, não teve o sucesso de crítica esperado. Annie Ernaux, como se sabe, levou o Nobel da literatura de 2022. Li o seu livro “O jovem”. Tem 37 páginas em formato de bolso (da camisa). Mais ou menos como um celular médio. Foi publicado no Brasil pela editora Fósforo. Nome adequado: acende e já apaga. Feita essa piada infame, a editora parece ter bom gosto. Cada escritor precisa criar o seu estilo, inventar a sua marca. Annie Ernaux, como muitos franceses, para quem isso constitui um gênero literário como qualquer outro, conta a sua vida em doses homeopáticas.

Resenhar livros como “O jovem” não é tarefa simples: se der qualquer spoiler, entrega todo o livro. Afinal, quando começa, termina. Mais ou menos como um jogo que acabasse logo depois do aquecimento. Ou uma relação amorosa que se contentasse com as preliminares. Isso é ruim? Não sei. O livro é bom. Se chamar de livrinho, não é necessariamente pejorativo. Pode ser só descritivo. Por que não chamar logo de conto publicado avulso? Ou até de microconto? Porque não é. Tem jeito de romance, estrutura de romance, pegada de romance, enfim, pressupondo-se que essas classificações ainda façam sentido, se é que realmente um dia chegaram a fazer.

“O jovem” tem força narrativa, verossimilhança, frases intensas e alguma poesia. Conta a história da relação amorosa de uma mulher experiente com um homem bem mais jovem do que ela. Pronto, mais do que isso não posso dizer. É o suficiente para que muitos leitores, especialmente leitoras, posso apostar, queiram ler esse texto. Estamos todos acostumados aos amores entre homens mais velhos e mulheres muito jovens. Faz parte da tradição patriarcal, do imaginário machista dominante. Homem pode. Ficamos espantados com os amores do presidente francês Emmanuel Macron e sua esposa, bem mais velha do que ele. No Brasil, o namoro da jornalista Fátima Bernardes com o deputado Túlio Gadelha ainda choca muitas pessoas. Ernaux toca nesse vespeiro.

Talvez a crítica que se possa fazer ao livro seja óbvia: já acabou. O texto parece um excelente argumento para um romance robusto. Seria o caso de escrevê-lo. O autor mais indicado para fazê-lo é a própria Annie Ernaux. Ou, em oficinas literárias, poderia ser um bom exercício: a partir do argumento de Annie Ernaux em “O jovem”, escreva um romance ou uma narrativa alentada. Todos os elementos fundamentais para uma trama envolvendo uma mulher mais velha e um jovem entrando na idade adulta estão dados no texto, da falta de modos do guri aos olhares impiedosos dos passantes. Ernaux talvez tenha percebido o seguinte: em tempos de aceleração total e de ejaculação precoce, só histórias curtas são lidas. Salvo se tiverem como protagonistas bruxos, poderes sobrenaturais, magia, extraterrestes ou celebridades.

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