Juremir Machado da Silva

Átomo, byte, gene e Argentina

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Átomo, byte, gene e Argentina Reprodução Cia. das Letras

Sou do contra. Anarquista epistemológico, segundo a classificação do físico libertário Paul Feyerabend em “Contra o método”. Raramente gosto dos livros publicados pela badalada editora Cia das Letras. Muito marketing, muita mídia e pouco conteúdo. Porém, gostei bastante de “O gene, uma história íntima”, do indiano Siddhartha Mukherjee. É uma estupenda e agradável de ler história da ciência sob o prisma dos mecanismos da hereditariedade. E dá-lhe Mendel, Darwin e cia. Digo mais, eu daria esse livro como presente de Natal para pessoas que não preferem canetas, meias, garrafas de vinho ou camisetas de clube de futebol.

As unidades mínimas são o máximo: “O átomo, o byte e o gene trazem noções científicas e tecnológicas fundamentalmente novas sobre seus respectivos sistemas. Não podemos explicar o comportamento da matéria – por que o ouro brilha, por que o hidrogênio entra em combustão com o oxigênio – sem invocar a natureza atômica da matéria. Não podemos entender as complexidades da computação – a natureza dos algoritmos, a armazenagem ou corrupção de dados – sem compreender a anatomia estrutural da informação digitalizada. ‘A alquimia não pôde se tornar química antes que se descobrissem suas unidades fundamentais’, escreveu um cientista do século XIX. De maneira análoga, como procuro mostrar neste livro, é impossível entender a biologia de organismos e células ou a evolução – ou ainda a patologia, o comportamento, temperamento, doença, raça, identidade ou destino dos seres humanos – sem primeiro lidar com o conceito de gene”, diz o autor. Citação longa? Longo é o que diz pouco.

O livro relembra antecipações incríveis ou perigosas: “Se decifrassem a ‘lei dos nascimentos’, os guardiões de sua república, sua elite dirigente, assegurariam que apenas as uniões ‘afortunadas’ harmoniosas viesse a ocorrer no futuro. Uma utopia política se desenvolveria em decorrência de uma utopia genética”. Platão tinha um Hitler dentro dele? O filósofo advertia: “Pois quando vossos guardiões desconhecem a lei dos nascimentos e unem noiva e noivo fora do tempo, os filhos não serão virtuosos nem afortunados”. A teoria dominante, de Pitágoras, pretendia que todas as informações sobre o futuro ser vinham unicamente do sêmen do pai, reproduzindo cada parte do genitor.

Aristóteles desmontou a hipótese com uma única pergunta: como poderia então o esperma transmitir informações sobre as partes geradoras da filha se essas partes não existem no corpo do pai? Ainda que achasse que as mulheres tinham menos dentes e costelas que os homens, Aristóteles era bom de observação. Mukherjee informa que o biólogo Max Delbrück brincava que se deveria dar um Nobel póstumo para o filósofo grego pela descoberta do DNA. Afinal, para ele, “a transmissão da hereditariedade era, em essência, uma transmissão de informações”. É muita história.

A boutade de cientista que eu mais gosto nesse livro é da conversa de Laplace com Napoleão. Perguntado pelo imperador sobre a ausência de Deus em sua teoria, o cientista teria respondido: “Não tenho necessidade dessa hipótese, meu senhor”. Melhor do que essa resposta só aquela que era a preferida de Umberto Eco: “Por que existe alguma coisa em vez de nada? Porque sim”. Neste Natal, dê ideias, hipóteses, páginas e viagens.

A seleção de Messi já deu tudo o que podia aos argentinos.

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