Colunistas | Juremir Machado da Silva | Matinal

Ciclos da política

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Ciclos da política

As escolhas políticas funcionam apenas em parte pela racionalidade. Mesmo quando se diz que alguém vota por interesse, há margem para que essa percepção do interesse esteja enviesada por algum elemento simbólico. O eleitor, de maneira geral, é um emotivo. Vota com as suas emoções. Existe o eleitor fiel, que adere a um líder ou a um partido e faz qualquer coisa para só ver o que confirma a sua fidelidade. Esse eleitor costuma ser chamado de ideológico, embora a ideologia não passe muitas vezes de um nome para uma vontade de pertencimento. O eleitor fiel, como o torcedor, é um tribalista.

Há também o eleitor volátil, aquele que vota em pessoas e logo se esquece do voto dado. A sua vinculação é com o momentâneo. Pode ser levado a votar em alguém pelo “carisma” do candidato, por um discurso, pelo seu estilo, pela sua imagem ou por algo de repercussão que tenha feito. É o eleitor disposto a recompensar uma atitude de destaque. Quando eleitor e torcedor se encontram pode haver recompensa por um título do clube atribuído ao candidato ou pela folha de serviços prestadas por um ídolo. Outro tipo de eleitor com perfil semelhante é o do religioso, aquele que segue a recomendação de um guia espiritual. A única diferença é a recomendação, enquanto no caso anterior a decisão é espontânea. Porém, se um premia sem se importar com o desempenho, o outro corresponde às expectativas da sua instituição.

Nos últimos tempos, muitos políticos neopopulistas foram eleitos explorando um sentimento antissistema. A ideia não é nova. Ela faz parte de uma espécie de ciclo: se o sistema se engessa, cresce a reação a ele e o apoio aos franco-atiradores. Se o sistema se estiola e cai nas mãos dos aproveitadores, demagogos, manipuladores e outros do gênero, ressurge a valorização de um sistema mais sólido, consistente e reconhecido pela continuidade. Muitas são as variações em torno dos temas cíclicos. A política deve ser profissão remunerada ou não? Max Weber já observava que, não sendo profissional, torna-se atividade de ricos. Não é surpreendente que os seus principais defensores, como João Amoedo, no Brasil, sejam homens muito ricos.

O paradoxo da crítica antissistema é que, quando ouvida, leva os seus críticos ao poder, logo, ao sistema, fazendo com que rapidamente neguem o que pretendiam, assumindo o papel que antes criticavam. Jean Baudrillard ironizava a esquerda, dizendo que lhe cabia, para sobreviver, quase chegar ao poder, mas não chegar, sob pena de esvaziar-se. Jair Bolsonaro está sendo vítima da sua incompetência, das suas loucuras, do seu negacionanismo e do seu êxito como candidato. O velho deputado do baixo clero, o que de mais medíocre habita os subterrâneos do poder, conseguiu metamorfosear-se em outsider. Como poderia, instalado na cadeira presidencial, manter-se o que nunca fora, mas que, ao menos, conseguira fazer crer que era?

O sociólogo italiano Giuliano da Empoli acredita que o ciclo antissistema se esgotou. Pode ser. Dependerá do grau de saturação da sociedade em relação às mitologias da eficiência empresarial e da neutralidade dos gestores supostamente técnicos. Na era do coach, o eleitor médio busca um mentor que lhe diga como se movimentar com segurança. O discurso antipolítico é dos artifícios políticos mais eficazes de que se tem notícia. Contudo, passado o seu efeito inebriante, ele sofre o impacto do oposto, o do discurso político sobre a importância da política como fator de ordenação social.

No momento, boa parte da sociedade olha para Bolsonaro e grita: “Já conhecemos o teu truque”. Nu, bem no meio do palco, cabe-lhe convencer que está vestido. O seu eleitorado fiel até lhe descreve as roupas. O mercado garante que é racionalidade pura. Ou seja, puro interesse. Não é difícil, contudo, mostrar o quanto a ideologia, no sentido de uma lente que deforma o real, supondo-se que ele possa ser identificado, condiciona as escolhas dos homens de negócio. Tantas são as ilusões na política que se pode ganhar denunciando comunistas.

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