Juremir Machado da Silva

Espírito de Natal

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Espírito de Natal Foto: Pixabay

Ele acreditava profundamente no espírito de Natal, que procurava entre os seus pertences, especialmente daqueles que guardava na memória, pois nada há de maior pertencimento do que aquilo que escapou da grande destruição silenciosa do tempo, esse inimigo feroz da permanência e da felicidade passageira. Para ele o espírito de Natal era uma imagem, uma aura, um riso, um suspiro, uma alegria imensa e gratuita de uma manhã de dezembro, pois, naquele tempo, quando era criança feliz, a comemoração de Natal acontecia no dia 25 de dezembro, da hora em que se acordava e procurava presentes nos chinelos até a hora do lauto almoço em família.

O espírito de Natal então era palpável, perceptível, denso como o sol de verão, fluente como as águas da lagoa, onde, por bom comportamento, se terminava o dia, sendo esse o maior presente possível. Natal, ao longo do ano, era uma expectativa de felicidade e, mais do que os presentes, brinquedos tão pequenos que pareciam miniaturas, embora fossem muito desejados e admirados, o que valia mesmo era aquela sensação de vida plena, de realização, de estar no lugar certo, na hora certa, na família certa, num mundo que, simples e concreto, não poderia ser melhor.

Sim, por vezes, havia briga, pois tantas eram as crianças que em algum momento uma disputa se impunha. Bastava, contudo, que uma voz adulta falasse em Natal ou até em espírito de Natal para que tudo voltasse à paz e a um compartilhamento que não duraria o ano inteiro, embora, pelo que dispunha, pudesse ser visto como um mistério, aquela imagem que agora volta desfocada, com risadas ao fundo e sons de passos na madeira do assoalho, tudo se confundindo com cantos de pássaros e a orquestra das cigarras, pelo meio-dia, num concerto de perseverança.

Natal era assim, era isso, muito mais do que isso, uma maneira de estar no mundo por um dia, um carinho que se estendia e se espreguiçava como um gato, sendo que os gatos e os cachorros andavam entre as pessoas, deitavam-se nos bancos, roçavam-se em nossas pernas e dormitavam a sesta enquanto uma voz doce de mãe, de avó, de pai, de avô, de tia dizia:

– Não vão para o sol depois do almoço que faz mal.

A tarde não andava, não chegava a hora do banho de lagoa, o sol restava fincado no alto do céu, declinando tão lentamente que, apesar do seu calor intenso, parecia congelado no azul mais profundo do firmamento, um azul tão límpido que podia ser anil, turquesa ou simplesmente céu. E Deus, alguém dizia, estava lá, no alto, observando tudo, zelando por nós na hora da nossa vida, amém, atento aos nossos pedidos e desatinos.

Quando a noite chegava, como se fosse a consequência de uma jornada de muitas esperanças e travessuras, tudo se apagava, não só a luz do sol, principalmente a chama que incendiava tanta vontade de estar ali. Ela se reacenderia um ano depois e restaria ao longo dos meses como uma lembrança nítida, inextinguível, daquilo que de melhor a vida podia oferecer. Natal era um espírito, uma brisa, um dia pleno de verão.

Feliz Natal!

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