Juremir Machado da Silva

Everaldo taxista

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Everaldo taxista Taxista, Everaldo é dono de uma grande biblioteca em seu tablet | Foto: Gustavo Roth/EPTC

Conheço Everaldo faz alguns anos. Ele já era motorista de táxi quando resolveu estudar história. Formou-se. Continuou dirigindo táxi. Como não sou dogmático, uso aplicativos e táxis. Sempre que o preço do Uber da minha casa até a PUCRS passa de R$ 18, chamo um táxi do ponto do HPS. Meu lema é claro: um bom serviço pelo melhor preço. Nada mais. Vez ou outra, vem o Everaldo. Conversar com ele é muito bom. Everaldo passa o dia lendo no seu tablet, onde carrega uma biblioteca invejável, só autores de respeito, ou seguindo cursos de feras como meu amigo Clóvis de Barros Filho. Nos últimos tempos, Everaldo anda apaixonado por filosofia. Entro no seu táxi e dois minutos depois ele me pergunta como se falasse de futebol ou do tempo:

– Eles são nietzschianos, não?

E assim vamos. Em nosso último encontro, na semana passada, Everaldo me falou de Michael Sandel, convidado do Fronteiras do Pensamentos.

– Já leste o Sandel?

Respondi francamente: “Só artigos”. Everaldo saiu da Ramiro Barcelos para a Ipiranga, no final da tarde, sem qualquer estresse. Então me disse:

–  “A Tirania do Mérito” é espetacular.

Talvez tenha dito esplêndido em lugar de espetacular. É sempre muito bom ouvir quem fala com conhecimento de causa e gosto pelo que comenta. Everaldo me disse estar lendo “A parte do diabo”, de meu mestre Michel Maffesoli. Daí foi um passo para me perguntar sobre Michel Onfray, que conheço, leio e ajudei a contatar para sua vinda ao Brasil no Fronteiras. Expliquei que não tinha com Onfray a mesma proximidade que tenho com Maffesoli e Morin e que tive com o saudoso e genial Jean Baudrillard.

– Eles são nietzschianos, não?

Referia-se a Maffesoli e Onfray. Quando não falamos de filosofia, abordamos outro assunto que Everaldo domina e pelo qual é apaixonado: a política. Everaldo era ouvinte do Esfera Pública, programa que eu fazia com Taline Oppitz na Rádio Guaíba. Aliás, nos últimos dias várias pessoas me falaram do programa. Um professor de economia da UFRGS me disse que ouvia o Esfera Pública todo dia quando ia para a faculdade. O vereador Giovani Culau (PCdoB) me contou que decidiu entrar na política ouvindo o Esfera. O Esfera Pública tinha ouvintes, patrocinadores e prestígio. Fecha parêntese. Só gênios poderiam tirar um programa assim do horário e demitir um dos apresentadores, moi. Gênios e bolsonaristas. É a política, estúpido!

Everaldo nunca se queixa da vida de taxista. Nem xinga o Uber. Durante muito anos, fui conduzido por um taxista que me contava, como se fosse uma novela em capítulos, seus amores extraconjugais com uma mulher de uma cidade da grande Porto Alegre. Era divertido. Durou 16 anos. Até ele morrer. Everaldo não é folhetinista. Prefere a vida real, os embates políticos e as ideias. Está sempre a par de tudo o que acontece na cidade e no país. Confesso que nunca encontrei um motorista de Uber como o Everaldo.

Preciso ler Sandel para conversar com ele.

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