Fachadas vistas da janela do hospital
A minha grande obsessão foi a tarde.
Alguns buscam compreender a noite.
Há quem renasça a cada alvorecer.
Eu sempre quis decifrar o enigma da tarde.
A tarde que vejo da janela como um silêncio.
São paredes amarelas, cinzas, até vermelhas.
Olhos enfileirados que parecem cerrados,
Casas de incontáveis aberturas e telhas,
Telhados que fitam o céu insolentes.
Nas tardes, pelas ruas, vi homens, ambulâncias e cães,
Mulheres lentas e sérias puxando carrinhos com cartões,
Senhoras elegantes ou finas desaparecendo nas esquinas
E ruas magras espiralando-se como veredas nos sertões.
Na vida, compreendi muitos mistérios.
Entendi, por exemplo, o valor do pi.
Aprendi a disposição da tabela periódica,
Percebi a relação do quadrado da hipotenusa.
Só não revelei ainda da tarde os critérios,
Nem sequer a biografia do mendigo que ri.
Menos ainda a história da puta metódica,
A bela, a infeliz, a desdentada musa.
A tarde é um pouco de tudo isso,
A noite sem negrume e sem viço,
Intervalo entre o fim e o tropeço.
A hora do lobo dormir à sombra
E da árvore se recolher para beber.
Enquanto o paciente se impacienta.