Juremir Machado da Silva

Minha primeira Feira do Livro

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Minha primeira Feira do Livro Feira do Livro de Porto Alegre pode ser menor em 2023 | Foto: Cristiano Vieira/PMPA

Se a primeira vez nunca se esquece, a primeira vez na Feira do Livro de Porto Alegre talvez seja ainda mais inesquecível. Mas pode o inesquecível ter graduações? Sei lá. Dá um Google para saber. Eu tinha 18 anos quando pisei pela primeira vez no solo sagrado da Praça da Alfândega. Achei a Feira tão grande que me deu um desânimo: eu nunca conseguiria ler tanto livro. Nem vivendo várias vidas. Além disso, não tinha dinheiro para comprar um só exemplar. As capas coloridas me espiavam em tom de provocação. Elas se ofereciam e eu nada podia fazer, salvo sonhar com o dia em que poderia levá-las todas para casa. Na Caldas Júnior, onde o Correio do Povo e as Folha da Manhã e da Tarde eram feitos, as máquinas de escrever ecoavam galhardamente.

Ninguém imaginava que alguns anos depois elas começariam a ser substituídas por computadores. Entrei na Zero Hora em 1986 e já peguei a transição da máquina para o computador. Que revolução! Nunca tive a menor saudade das máquinas de escrever, muito menos das elétricas. Aquilo era um suplício. Como era possível fazer uma tese naqueles tempos? O assunto aqui, porém, é a Feira do Livro de Porto Alegre. O primeiro autor gigantesco que vi por lá foi o Mário Quintana. Ele estava de mau humor. Havia um monte de gente em torno dele fazendo perguntas que pareciam não lhe dar qualquer prazer. Não guardei o que ele disse. Talvez não tenha dado qualquer resposta genial como costumava fazer quando o aporrinhavam com perguntas bestas.

Acho que me encantei com um livro de Fernando Sabino. Pensei em roubá-lo. Não tive coragem. A covardia me garantiu a integridade moral naqueles momentos de fraqueza e bolsos vazios. Havia muita gente na praça. Eu não conhecia ninguém. O patrono daquela 26ª edição era Moysés Vellinho, que me dizia muito pouco. O mundo, então, era de papel. Encontrei num final de tarde da Feira meu colega de aula no jornalismo, um cara magro e divertido chamado David Coimbra. Ele morava no IAPI e eu no Sarandi. Já tínhamos pego o T1 juntos algumas vezes. Eu não podia imaginar que ele se tornaria figura de destaque na Feira do Livro de Porto Alegre. Morreria sem ter sido patrono. Não ia ficar se candidatando para perder. Uma injustiça.

Encontrei também meu amigo Praxedes, vindo, como eu, de Santana do Livramento. As pessoas se acotovelavam como se o mundo fosse acabar. Porto Alegre era puro charme aos olhos de um guri do interior como eu. Depois da Feira, em casa, fui reler “O vermelho e o negro”, de Stendhal. Eu fantasiava que era um Julien Sorel de Palomas chegando em Paris. Anos depois, passeando na Feira com Michel Maffesoli e Jean Baudrillard, eu me lembraria dessas primeiras aventuras no paraíso dos livros. Jean até me perguntou:

– Sorel ou Rastignac?

O personagem de Balzac também me servia. Eu poderia ter dito com a arrogância e a ingenuidade do menino deslumbrado com tudo o que via:

– Agora nós, Feira do Livro!

Por sorte, não disse. Devo ter pensado. A Feira do Livro de Porto Alegre acorda em minha as melhores ilusões do rapaz na flor das alegrias. Às vezes, penso avistar Décio Freitas, Ricardo Carle ou Caio Carneiro. A lista não para de crescer. Neste ano, foram-se o Luiz de Miranda e o David.

Comprarei livros para me compensar daquela primeira visita.

Se já não o tivesse, compraria o último do David Coimbra.

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