Juremir Machado da Silva

Enquanto o trabalho existe

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Enquanto o trabalho existe "A Inteligência Artificial vai reduzir o campo do trabalho humano ao mínimo" | Foto: Ilya Pavlov/Unsplash

É bom festejar o dia do trabalho enquanto o trabalho existe. A Inteligência Artificial vai reduzir o campo do trabalho humano ao mínimo. Por um lado, ótimo. Ficaremos livres de atividades penosas, enfadonhas, tristes. Por outro lado, perigo. O que faremos? Projeta-se que os Estados pagarão uma renda mensal para que as pessoas vivam e consumam. Haverá um imposto sobre os produtos gerados por robôs. Ficaremos livres para vadiar infinitamente. Algumas áreas pareciam protegidas. Já não o são. No momento, a inteligência artificial engole profissões intelectuais. Rapidamente, porém, saberá tirar o lixo das cidades, cortar grama e aplicar injeção.

O trabalho vai acabar. Uma vez, entrevistei Bruno Latour, uma espécie de guru da evolução tecnológica. Ele parecia muito seguro de que cada posto de trabalho extinto será substituído por outro criado pelas novas possibilidades tecnológicas. Essas é a narrativa que contam para nos acalmar diante do vazio que poderá surgir. Não é de duvidar que Yuval Harari, distópico na moda, esteja certo: vai aparecer uma camada de humanos inúteis. Se a morte não me levar antes, farei parte dessa turma sem função. As nossas atividades, que sempre pareceram imperecíveis, começam a parecer-se estranhamente como a de cobrador de ônibus. Seremos deixados no final da linha em nome da economia, da modernidade e dos interesses do consumidor.

Dentro de uns 50 anos será preciso contar aos jovens o que era o Dia do Trabalho, por que existia, que valor tinha, etc. Em cem anos, será necessário explicar o que era o trabalho, como as pessoas exerciam diferentes profissões, que lugar o trabalho ocupava em nossas vidas, as razões do orgulho que se sentia por uma vida de trabalho duro, essas coisas, enfim, que nos últimos séculos povoaram a vida das pessoas e até deram sentido à existência. Como se explicará que todos tivessem trabalho, que poucos ganhassem muito e muitos ganhassem tão pouco. Imagino que a IA cumprirá essa função histórica, pedagógica, memorialística. O que não será cumprido pela IA? O que sobrará para nós, imperfeitos, burros, falhos, cansados, com dor de cabeça, ferritina alta, mobilidade baixa, velhos?

Vejo cada 1º de maio como um fóssil antecipado. Tenho a impressão de comemorar um desaparecimento anunciado. Talvez se possa pensar por outro ângulo: o fim da escravidão do trabalho. Seremos todos livres. Não teremos mais de ocupar a maior parte da vida tentando ganhando o necessário para sobreviver. O que faremos de todo o nosso tempo livre? Não sei. Uma boa ideia pode ser a de aprender com os ricos, essa camada rica que nunca precisou trabalhar e tem agenda lotada. Acende um alerta: eles têm dinheiro. A renda universal estatal permitirá viajar pelo mundo ou nos deixará como frangos num aviário (sempre uso essa imagem horrível), ocupando pouco espaço, monitorados e, no caso, distraídos com games, celulares e plataformas de streaming? Já pensaram viver cem anos sem fazer nada!

Viva o 1º de maio. Viva o trabalho.

Enquanto existe.

Tambor tribal (Jornal ADverso)

Está disponível a mais recente edição do Jornal ADverso, publicado pela Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Manchete principal: “Falta infraestrutura na melhor ranqueada do país – espaços insalubres ameaçam prédios e saúde de professores e alunos”. Outra chamada diz: “Sindicato encontra mofo, rachaduras e a até escorpiões na UFRGS. Veja também como está o processo de negociação salarial em Brasília”.

Frase do Noites

Iluminista sóbrio e meditativo: “A única arma eficaz contra a inveja é a indiferença, mas é preciso aplicá-la com moderação”.

Imagens e imaginários

No Pensando Bem, que vai ar todo sábado, 9 horas, na FM Cultura, 107,7, em parceria com a Matinal, a revista Parêntese e a Cubo Play, e apoio da Adufrgs Sindical, Nando Gross e eu entrevistamos Ana Laura Giaretta, gaúcha, 23 anos, estudante de Direito na UFRGS, vencedora de prêmio de oratória em competição nos Estados Unidos sobre direito humanitário em guerra.

Escuta essa

Ainda na atmosfera dos 50 anos da Revolução dos Cravos, que sepultou quatro décadas de ditadura em Portugal, nada como ouvir uma das mais belas canções de Chico Buarque: Tanto mar:

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