Juremir Machado da Silva

Texto do coletivo dos moradores da Vila Assunção sobre poluição sonora na Orla

Change Size Text
Texto do coletivo  dos moradores da Vila Assunção sobre poluição sonora na Orla Foto: Giulian Serafim/PMPA

No seu editorial do dia 25/11/2022, a editora chefe do Matinal, Marcela Donini, destacou uma frase preocupante de um dos representantes da Ernst & Young, empresa que presta consultoria à Prefeitura de Porto Alegre na revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA). “O objetivo fundamental da vida em cidades é o aumento da produtividade.”

E ela acrescentou uma observação que deveria reger as metas – pelo menos – das autoridades da administração municipal, quando não as das próprias empresas atuando nas cidades: onde fica o objetivo da qualidade de vida COLETIVA, O BEM-ESTAR DE TODOS, que sempre foi o fim último e inalienável da vida das comunidades urbanas? É  em nome desse bem comum que administrações e governantes devem lutar e zelar nas cidades dignas. É em nome desse bem comum que a malha urbana recebeu um zoneamento que destina áreas específicas de construção para bairros distintos: atividades de indústria, comércio, cultura e entretenimento e zonas residenciais precisam de uma organização que garanta o funcionamento de cada categoria sem prejudicar o descanso, o silêncio e o sossego sem o qual a qualidade de vida dos cidadãos. Se não, a produtividade de todos corre sério perigo.

Nos últimos 10 anos vimos uma mudança drástica do padrão de convivência – uma mudança instigada justamente pela compreensão mais brutal da meta acima citada: “O objetivo fundamental da vida em cidades é o aumento da produtividade”. Poderíamos acrescentar: a produtividade a qualquer custo e em detrimento da qualidade de vida de bairros inteiros.

Um exemplo disso já aconteceu em 2015, com os megaeventos da empresa Sunset Maori e de outras subempresas ativas na Orla. Eles aproveitaram os espaços construídos para a Copa em torno do Clube Internacional, fazendo um uso perverso do “Parque Gigante” e das instalações do Clube que deveriam servir para atividades esportivas. Comercializaram o espaço da orla e das plataformas do novo estacionamento do Clube para shows gigantes – verdadeiras festas rave cujo som invadiu os bairros Santa Tereza e partes do Menino Deus, Cristal, Vila Assunção, Tristeza, Conceição e Sétimo Céu. Os moradores de seis bairros passaram noites inteiras com as casas tremendo do som bate-estaca. Reclamações para as ouvidorias da empresa e para a Prefeitura não surtiram o mínimo efeito; as autoridades responderam invariavelmente que existia um monitoramento de som compatível com a legislação, ignorando de maneira flagrante a lei do direito ao sossego, que prevê que as atividades devem respeitar os decibéis e frequências nas residências atingidas.

A mesma lógica vemos agora se intensificando com a nova Orla, com a concessão ao Consórcio de empresas denominado GAM3 Parks (reune Grupo Austral, Deboni Empreendimentos e a 3M produções e eventos) para administração do Parque Harmonia e do Trecho 1 da Orla do Guaíba pelo período de 35 anos. Estas empresas, por sua vez, contratam empresas de eventos para animarem os espaços nos diversos setores ao longo da Orla e no Parque Harmonia. Todos eles estão aguardando a Prefeitura estender e multiplicar os setores de exploração em direção à Ipiranga e na continuação da Orla.

Nesses espaços de lazer público, começaram a acontecer alguns eventos gratuitos (na área ao lado do Gasômetro). Mas os principais causadores de perturbação do sossego e poluição sonora são os eventos comerciais pagos, que ocorrem no “Deck 4” junto à água e nos “Palcos” e tendas que servem para a comercialização de eventos diversos do Parque Harmonia. A gama desses eventos é aberta e virtualmente infinita: Há telões para assistir a Copa com show/DJ consecutivo até meia noite, Tendas de Feijoada com música ao vivo, shows, bandas e DJs… Quem sobrepõe as agendas diversas publicadas nas mídias sociais percebe uma ocupação dos espaços com música ao vivo 5 dias por semana; e a experiência dos moradores é que nos poucos dias vagos ocorrem também festas do mesmo tipo em estabelecimentos como o Barra Shopping ou na área de construção das torres de luxo Golden Lake, situado na Av. Diário de Notícias, 1200. Todos competem pela atenção do público festeiro com shows cada vez mais estrondosos, efeitos especiais de som e música, fogos de artifício e holofotes cênicos iluminando o céu noturno.

E que som! São paredes de caixas e amplificadores a projetar a música bate-estaca sobre a água do Guaíba, que leva o barulho distorcido e as vibrações para a outra margem – a Vila Assunção, Conceição e Sétimo Céu estão a uma distância de 5 ou 6 km, mas mesmo assim os moradores não conseguem ouvir seus próprios programas dentro de casa por causa do volume que vem da Orla. Ele faz vibrar esquadrias e até as próprias paredes das casas e prédios. Pouco adiantou a tentativa de alguns moradores que instalaram vidros especiais contra ruído.

É óbvio que essa intensidade de som com volume absurdo fere da maneira mais grave o direito ao sossego dos demais habitantes da cidade (além de ser provavelmente desnecessário para o próprio objetivo que é proporcionar lazer e divertimento em áreas pequenas da Orla). Vivendo em áreas residenciais a quilômetros de distância os moradores de bairros inteiros são obrigados a assistir, dia após dia, aos estampidos de shows cujo volume ultrapassa muitas vezes o dobro dos decibéis permitidos!

Diante da lentidão das autoridades que adiam as respostas às reclamações em semanas e meses, o que termina na inoperância das medidas de fiscalização e sanções, os moradores têm que apelar, sempre de novo, ao Ministério Público. Tudo isso envolve reuniões das Associações, consultas de advogados e o imenso gasto para os cofres públicos da investigação por parte dos promotores e fiscais do Ministério Público dos fatos mais que evidentes.

Em suma: A produtividade comercial abusiva de alguns produz para o bem público imensos gastos morais e financeiros; e um enorme número de habitantes se sente cada vais menos respeitado e vê seus direitos lesados numa cidade entregue a uma busca de lucros rápidos e brutais.

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.