Juremir Machado da Silva

Caminhada

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Caminhada Eleição porto-alegrense pode ter candidaturas de três correntes distintas | Foto: Mateus Raugust/PMPA

Caminhas dentro da noite à procura do sol. Sabes que na ponta do arco-íris existe uma manhã à espera dos que a saibam colher. Andas à procura do que já foste por acreditar que todo mundo começa de novo, pois tudo é cíclico, assim como a alternância entre a luz e o escuro, a melancolia e a fome de viver, o gozo e a saciedade, o salto e a queda. Caminhas com as mãos fechadas, não por querer cerrar os punhos, apenas por ter medo de perder o pouco que conquistaste, o carinho dos que gostam de tocar a pele dos outros. E assim te perdes na imensidão dos dias.

No caminho te desviaste da direção que perseguias, te viste no tribunal diante de amigos que nunca desejarias perder, foste levado pela correnteza barrenta e barroca, bifurcando quando querias andar em linha reta, avançando resoluto rumo ao desconhecido, como uma chama bruxuleando sob a brisa triste da madrugada, acompanhado pela luz atrasada das estrelas perdidas na vastidão do universo. Tudo para ti é caminho, embora só possas falar da caminhada, da qual tudo se sabe quando já expirou.

Sempre detestaste as abstrações, as teorias conspiratórias e as manias de perseguição, embora tenhas considerado sábia a frase de Ricardo Piglia segundo a qual os paranoicos também têm inimigos. Caminhas pela vida como quem morre a cada momento, sabendo que nunca mais poderás reinventar o ponto de partida, o verso não dito, o abraço não dado, o pedido de desculpas pendente na ponta dos lábios, a solidão satisfatória. Carregas no peito o grito não dado, a confissão jamais realizada, o pedido que não encontrou ocasião de ser feito, o tique-taque das horas.

Já não sabes o que dizer quando te perguntam por onde andas, embora estejas sempre por perto, ao alcance das mãos e dos beijos, perto, muito perto do coração selvagem, a oeste do começo de tudo. Rabiscas no celular crônicas que não verão a luz, salvo a da tela de alta definição, por conterem excesso de poesia, com essa falta de pudor que caracteriza os que, como tu, creem na força da palavra maldita, mal dita, desdita. Por onde andarás agora que te chamam de andarilho, de perdido, de errante?

As horas mais duras são as das tardes, quando todos se sentem ocupados com o que lhes foi concedido pelo destino, que é como se chama aquilo que a loteria existencial concede e alguns denominam mérito. Caminhas por entre palavras, florestas, lembranças, temporais, com o sol na cabeça mesmo quando tudo arde em trevas monumentais. O que esperas colher, recolher, encontrar, resgatar? Talvez a sombra das horas, aquela que se estendia a partir dos ponteiros, quando a vida ainda era analógica. Certamente a luz tênue dos olhos na hora do gol ou do gozo.

Assim passam os dias e a humanidade, juntos, confundidos, solenes, determinados, envolvidos, embora uns sejam senhores e outros, escravos. Caminhas junto aos teus contemplando a lenta e progressiva desaparição. Ali onde havia casas, risos, árvores frondosas, pássaros, pêssegos bicados, agora só há passagem, travessia, miragem, memória, evocação.


Tambor tribal (Eleições municipais 2024)

Só se fala na eleição para a prefeitura de Porto Alegre de 2024. A direita bolsonarista já tem o seu candidato: Sebastião Melo. A esquerda tenta se unir e escolher entre vários nomes do PT (Maria do Rosário, Sofia Cavedon, Edegar Pretto), do PCdoB (Manuela D’Ávila), do PSOL (Pedro Ruas) e até do PDT (Juliana Brizola). Pesquisa divulgada na última semana dá Manuela na frente na preferência do eleitorado. Nos bastidores dos bastidores fala-se no surgimento de uma candidatura que correria por fora, uma candidatura de centro, com viés progressista, resgatando tendências adormecidas de alguns partidos.

A ver.


Parêntese da semana

“Parêntese #200: Nem parece”. Luís Augusto Fischer: “Sobrevivemos e cá estamos, fechando 200 edições. Deu trabalho e deu alegria. E queremos continuar “por más”, como dizem os amigos castelhanos. Queremos muito continuar sendo um braço da Matinal, uma parceria das News do Roger, do Juremir e da Nathallia. Queremos continuar a ser uma arena de conversa inteligente da cidade – como dizia meu finado amigo Sérgio Jacaré Metz, com os pés no galpão e a cabeça na galáxia. Grato pela presença aqui, caro leitor, gentil leitora”.


Frase do Noites

Iluminista gastronômico temperado com a sabedoria dos chefs e caciques: “Política é arte de transformar sapo em rã”.


Imagens e imaginários

No Pensando Bem, que vai ao ar todo sábado na FM Cultura, 107,7, numa parceria da Cubo Play, Matinal e revista Parêntese, com apoio da Adfurgs, Nando Gross e eu conversamos com Rodrigo Portela e Mathias Pinto, diretores do documentário “Plauto, um sopro musical”, sobre a vida e a obra do grande flautista gaúcho Plauto Cruz.


Escuta essa

Plauto Cruz, “o choro é livre” e sublime como toda grande arte:

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