Juremir Machado da Silva

Ônibus sem cobradores

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Ônibus sem cobradores Foto: Alex Rocha/PMPA

Tira os cobradores que o preço da passagem cai.

Tem tudo para ser mais uma frase enganadora, como esta: “Cobra pelo despacho da bagagem que o preço da passagem aérea cai”.

Conversa fiada. A médio e longo prazo não vai rolar.

Porto Alegre avança na eliminação dos cobradores de ônibus. Vai ficar ainda mais inseguro andar neles. Quando lotar, será caótico.

Ah, mas a Europa faz assim!

Faz. Quem garante que vai funcionar aqui?

O capitalismo é uma máquina voraz de eliminar pessoas. Os tecno-rosas garantem que a tecnologia elimina certas funções e cria outras. Até agora não mostraram número que a garanta as proporções.

  Na prática, elimina mais do que cria.

  Então temos de parar a tecnologia? Não. Nem tem como.

O determinismo tecnológico não aceita barreiras: passa por cima de tudo. Se precisar, produz desempregados em massa. A idade da aposentadoria aumenta, a possibilidade de chegar empregado até lá diminui. Seja o que Deus Quiser. As contas precisam fechar.

Yuval Harari já mostrou que caminhamos para sociedades do pós-trabalho, com a maioria da população sem empregabilidade. A Inteligência Artificial fará tudo, provando a cada dia a burrice de cada um de nós, pobres coitados dotados de parca inteligência natural. Haja Netflix e Liga dos Campeões. Até Gauchão será útil.

A tragédia dos cobradores de Porto Alegre estava anunciada. A gestão atual de Porto Alegre é a mais neoliberal da história: é polo gastronômico na Redenção, ônibus sem cobrador, o que der e vier.

Se fosse vanguardista, adotava transporte coletivo gratuito para todo mundo, como estão testando algumas cidades pelo mundo, cobrando uma taxa do capital. Até Nelson Marchezan estudava algo próximo disso. Não de graça, mas com um preço muito baixo.

O capitalismo terá de se render à renda universal: uma soma mensal para que cada um possa sobreviver e consumir sem trabalho.

Afinal, a Casa-Terra é de todos.

Uma vez, estava com o escritor francês Michel Houellebecq em Porto Alegre. Ele observou um ônibus com cobrador. Perguntou se todos tinham um. Respondi que sim. Ele sorriu o seu sorriso mínimo e disse:

– A França precisava reinventar os cobradores.

Os cobradores desaparecerão. O tempo vai transformá-los em memória histórica. A retórica é sempre a mesma: alguns serão realocados em outras funções; serão oferecidos cursos de capacitação.

Na real, eles serão apagados da história. O ser humano tornou-se inútil. A sua última função é consumir. Ah, a maioria dos empregos é feita de atividades tediosas, duras ou terrivelmente penosas!?

Esse é o argumento derradeiro do cínico.

A extinção dos cobradores é só um passo.

Quem serão os próximos?

Candoca, o otimista de Palomas, garante: quando ninguém mais tiver empregos, seremos todos youtubers, podcasters e poetas.

Tira o ser humano que o preço cai.

Contato: [email protected]

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