Juremir Machado da Silva

Pós-graduações da PUCRS entre melhores do País

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Pós-graduações da PUCRS entre melhores do País Foto: Bruno Todeschini/PUCRS

Finalmente foi liberada pela Justiça a divulgação dos resultados da avaliação feita pela Capes dos programas de pós-graduação do país. As avaliações são feitas de quatro em quatro anos. Dos 22 programas de pós-graduação da PUCRS, 16 tiraram 6 ou 7, o que significa 72,7% nos estratos mais altos, de excelência internacional. Um êxito que coloca a universidade gaúcha proporcionalmente no topo da pós-graduação nacional.

O Programa Pós-Graduação em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde tenho a alegria de trabalhar, tirou 6 (sobre 7). Ficou entre os seis em melhores do Brasil, entre mais de 50. Só três programas tiveram nota maior. Esse é o resultado de um longo investimento em pesquisa, publicações, formação de mestres e doutores qualificados e, fundamentalmente, de seriedade e rigor. A PUCRS, de resto, foi muito bem, ficando entre as mais colocadas do País. Meus parabéns aos coordenadores do PPGCOM que estiveram na linha de frente nos últimos anos, professoras Cristiane Freitas e Cristiane Finger.

Independência ou morte. Ainda?

Cada um com suas imagens obsessivas. As minhas são, desde muito tempo, estas que recontarei. De repente, ouvi o apito de um trem impossível e, sob a chuva de um dia de trabalho, saí a esmo pelas ruas de Porto Alegre. Empurravam-me as lembranças de um livro de Iorio, El Tiempo, e os ecos da poesia maldita. Havia também a doçura de um poema de Quintana. Em pouco tempo, a água me encharcou o corpo e a alma. Andei por vilas que tinha esquecido: Maria Degolada, Cachorro Sentado, Morro da Cruz…

Vi gente me olhar com olhos esbugalhados e sorrisos enigmáticos. Vi homens tocarem a cintura e se espantar com o inesperado passante. Sempre tive a obsessão pelo mergulho inusitado no cotidiano da grande cidade. Movia-me uma grande tristeza, uma angústia sem objeto, o desejo recôndito de encontrar as pessoas que povoam as ruas ao entardecer. Eu passava e dentro de mim passavam manchetes de jornais, imagens de televisão, discursos de políticos, teorias de grandes mestres.

Eu era o proscrito. Vi crianças em poças de água, velhos desdentados, rapazes baforando, mulheres de pernas arregaçadas. Vi gente sorrindo, homens trabalhando, meninas sonhando diante de vidraças embaçadas. Vi a vida e não soube viver. Gosto quando chove, pois fico com a sensação de que algo acontece. Errei por becos, ruelas, avenidas, campos de futebol (poucos). Eu me procurava lá fora enquanto me perdia por dentro. A visão de um miserável, um só, já me parecia a prova do fracasso de tudo.

A voz que gritava dentro de mim me chamava de piegas e até de comunista. Lembrava-me de que nas imediações do HPS dormem, a cada noite, homens esquecidos de Deus. A gargalhada que me percorria avisava que tudo estava igual no mundo dos desiguais e que assim seria por séculos. Eu insistia em me esquecer num atoleiro de desencantos tardios. O mundo fervilhando ali fora e eu, como sempre, escondido em meus pensamentos aguados.

Uma garota me chamou de louco. Outra, de magrelo. Achei que ambas tinham razão. Milhões de páginas desfilavam diante de mim, contendo tudo menos o que eu pensava. Ninguém escreve sobre as próprias tripas expostas e muito menos sobre tristezas sem futuro. Um velho me disse que eu devia rir. Não encontrei o senso de humor. Chovia e eu me convencia de um espantoso fracasso. O Brasil era aquilo: gente simples amargando a pobreza perpétua.

A vontade de perdição me fustigava cada vez mais. De repente, achei que carregava as minhas tripas nas mãos. Confesso que senti desejo de enlouquecer, de me perder numa divagação, claro, sem dor, mas demente, desconexa, absurda. Trens imaginários apitavam nas curvas mais elevadas e algo me fazia correr. No meio do aguaceiro, uma mulher se afastava, outra se aproximava, outras agitavam os braços distantes. Um estudante negro me perguntou o significado da independência do Brasil.

Ao meio-dia, encontrei-me na frente do Hospital São Pedro. Contemplei longamente as árvores muito altas e fitei o rio que cortava o pátio do manicômio. Palavras me escapavam das mãos como peixes moleques rindo de mim. Eu queria capturá-los, mas as malhas da rede formada pelas minhas mãos eram grandes buracos. Tudo se ia sem estrondo. Sobravam calhaus e lambaris. Eu me via escrevendo, tardes inteiras, na solidão de um campo minado.

Porto Alegre se mostrava assim, úmida, nua, deslavada, sedutora. Não me contive: Porto Alegre, meu amor, comecei a repetir. O espetáculo era deprimente, cansativo, lamentável. Ainda bem que eu era o meu único espectador. Porém, vozes distantes chegavam aos meus ouvidos sob a forma de guinchos. Desintegrei-me. Faltava-me unidade, destino, coragem. Era assim: eu caminhava sem saber para onde, sem entender o que me acontecia, deturpando o que conseguia descrever. Independência!

Súbito, algo eu compreendi: me cabia ser um passante, andar ao léu, descosendo ideias, roçando verdades, respingando ilusões, chocando-me com o trivial, desviando-me da essência das coisas. Era assim: passos improváveis na solidão urbana. Não, eu não era o flâneur dos poetas e teóricos, não era o narrador da pequena história, não era nem sequer um “lobo sedento de cervejas e de velhos amigos”. Era apenas o passante passando por si mesmo.

Percebi, então, que as minhas palavras, ao contrário das de Pablo Neruda, “não se adelgaçavam como as pegadas de gaivotas nas praias”, mas engordavam como anjos mestiços. Em seguida, despencavam. A chuva parou. Fiquei desamparado. Coloquei as minhas tripas para dentro. Sentei-me num bar e escrevi este texto. Que significará? Certamente nada. Palavras, somente palavras, na confluência de dois rios. A chuva passou, eu passei, as palavras passaram, a vida passou, a história passou. Agora, noite fechada, sei quem eu sou: um passante. Aquele que grita:

– Independência ou morte!

Falamos disso novamente daqui a cem anos.

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