Juremir Machado da Silva

Novidade e tradição

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Novidade e tradição Foto: Felipe Rodrigues


Duas culturas opostas oprimem o passante que só quer andar a esmo pela vida: a cultura da tradição e a cultura da novidade. A primeira, por óbvio, só pensa em manter tudo como sempre esteve. A segunda só vive para mudar tudo. Se a música fetiche de Casablanca, “As time goes by”, diz que é “sempre a mesma história, a luta pelo amor e pela glória”, pode-se também afirmar que é sempre a mesma coisa, a luta entre antigos e modernos, sendo que, com a pós-modernidade, os modernos tornaram-se os novos antigos, agarrados a suas crenças, valores, truques, dispositivos e formas de existir.

Para o moderno, a permanência é mortal. Para o antigo, a tradição era a garantia de sobrevivência. Surgiu então uma tradição da modernidade. Há quem agora descubra uma moderna tradição. No mercado dos conceitos, bolsa de valores das palavras com valor agregado, tradição remete a imobilismo e ignorância. O moderno tem sua libido focada na novidade. Durante muito tempo, contentava-se com novidades anuais, mensais ou semanais. Novidades de estação bastavam. Atualmente só respira se receber novidades a cada segundo. Os sons das atualizações no celular devem ter o ritmo das batidas cardíacas.

Pulsação, sensação. O tradicionalista é um colecionador de imagens em tons sépia. Outonal por inclinação psicológica, goza na continuidade dos símbolos e no ritual da nostalgia, que, algumas vezes, ampara-se na simples funcionalidade. Já o moderno, veranil por temperamento, só se sente vivo nas altas temperaturas, quando tudo entra em ebulição, efervescência programada, obsolescência desejada. Se o tradicionalista quer tudo sempre mesmo lugar, sentindo-se confortável no reconhecimento das posições – mesmo lugar na mesa e na cama –, o moderno ama a descontinuidade como tradição permanente, com a permissão da redundância. A mudança como tradição. Um clássico.

Algo une antigos e modernos: o etarismo. O antigo, que se vê como guardião do que deu certo, odeia o juvenilismo dos modernos. Estes, defensores da mudança que renova e atualiza, têm horror ao imobilismo dos antigos, vistos como velhos. Marcel Proust, no seu clássico “Em busca do tempo perdido”, cada vez mais visto como velho, já opunha o elitismo e o esnobismo da aristocracia ao pulsar da burguesia ascendente, faminta de novidades. E assim vai o barco. 

Deu na versão online do antigo jornal global: “Como influencers, streamers e tiktokers tomaram o lugar de celebridades nos camarotes de grandes eventos”. Um dia, as celebridades foram chamadas de vedetes ou olimpianos. Hoje, são influencers, streamers e tiktokers. Tudo se renova, tudo muda, tudo passa por mutações, tudo fica igual. Pero no mucho. Antigos e modernos não suportam a indiferença dos passantes com suas obsessões. E la nave va, ágil,/Velha nau, frágil./Tão frágil./Mal dito, brilha”. Se tudo passa, não passa essa certeza de que nada muda.

Michel Maffesoli, que está em Porto Alegre, na PUCRS, dando aulas sobre as mutações da sociedade atual, ensina: “É preciso saber reconhecer as grandes mutações da sociedade para não se ficar resistindo inutilmente ao ar do tempo”, o que só atrasa a vida.

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