Juremir Machado da Silva

Visões do futuro

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Visões do futuro "No cenário distópico, as máquinas fazem tudo e a humanidade não sabe o que fazer da vida" | Foto: Lukas/Unsplash

Como será o mundo daqui a cem anos? Não faço a menor ideia. Nem acredito nas projeções dos futuristas de plantão. Há dois cenários, obviamente, o utópico e o distópico. No primeiro, graças à tecnologia, paramos de poluir, recuperamos florestas e oceanos e vivemos, com uma renda universal, de poesia, jogo, amor, praia, sol e sem fazer coisa alguma de desagradável. A inteligência artificial faz tudo. A preguiça torna-se uma qualidade, um saber viver, uma cobiçada arte existencial.

No cenário distópico, as máquinas fazem tudo e a humanidade não sabe o que fazer da vida. Somos quase todos inúteis e tristes. Consumimos montanhas de ansiolíticos, passamos horas em academias, mais por falta de coisa melhor a fazer, e a maioria vive como frangos num aviário: pouco espaço, comida e remédios injetados em nosso corpo, monitorados o tempo todo, com expectativa de vida em torno de 120 anos. Aumentam os suicídios. Não há Netflix que dê conta de tanto tempo livre. Nem Liga dos Campeões que forneça emoções suficientes.

A Inteligência Artificial vai ceifar empregos em poucos anos como um avestruz tecnológico apto a devorar tudo o que vê pela frente. Ficaremos livres dos fardos e, ao mesmo tempo, sem função. A tecnologia tem provado a nossa incompetência a cada dia. Antes, alguém se achava talentoso e podia justificar a falta de êxito com a ausência de oportunidades. Agora, é criar e colocar na internet. Se não funciona, se não tem público, se não encontra acolhida, bom… Aí a culpa é talvez do destinatário. O GPT, apesar de cometer erros crassos de informação, já enrola num argumento melhor do que a maioria de nós. Faz uma música sertaneja em 30 segundos de dar inveja aos donos da área. A arte, pelo jeito, não será o destino final dos seres humanos.

E se justamente a inteligência natural do homem estiver cavando o seu buraco artificial? Já há quem diga que o sistema atual, de eficácia e desigualdades seculares, tem a virtude de ocupar boa parte das pessoas, ainda que seja em trabalho análogo a uma escravidão dissimulada. Ou nem tanto. Será que vamos sentir saudades das nossas corveias? Estou traçando um horizonte sombrio. É possível que os dois cenários iniciais se mesclem: poluição superada, natureza recuperada, máquinas fazendo tudo e seres humanos desesperados por uma ocupação.

Virou moda criticar o humano. Antropoceno é o nome que se dá à era da dominação humana no mundo. Um rastro de destruição, tragédia, guerras, egoísmo, megalomania e miséria. O humano, na escala universal, não leva qualquer vantagem sobre uma minhoca. Mas só ele pode ter essa consciência triste. Apesar de todos os seus erros, continuo admirando essa espécie com exemplares capazes de pintar o teto da Capela Sistina ou de compor sonatas como Beethoven. Errei? Não, prefiro sonatas. Final para uma polêmica fictícia: a denúncia do antropoceno será sempre antropocêntrica. Há quem reduza isso a uma categoria simplória: sentimento de culpa. Outra especificidade humana.

O futuro pertence ao tempo.

Um amigo me avisa: “Para com isso. Os ricos já vivem sem fazer nada e não se matam por isso. É possível, saudável e mesmo desejável”.

Esclarecido.

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