Juremir Machado da Silva

Leite e Melo, os gestores perfeitos

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Leite e Melo, os gestores perfeitos Hamlet embaixo d'água na cidade de Leite e Melo

As circunstâncias obrigam Eduardo Leite e Sebastião Melo a dar entrevistas sem parar. A cada encontro com jornalistas eles repetem a mesma ladainha, com o mesmo ar de autossuficiência e de boas práticas de gestão: fizeram tudo certo, não têm culpa se choveu demais. De quebra, como culpados naturais pelo que não fizeram ou fizeram demais, embora não o reconheçam nem admitam críticas, consideram que não é hora de apontar culpados. A grande exposição a câmeras e microfones leva a atos falhos altamente comprometedores e constrangedores.

Leite já condenou as doações em grande quantidade por atrapalharem o comércio local. Diante do estupor das pessoas, desculpou-se. Depois, confessou que, apesar dos alertas científicos emitidos, o governo tinha outras pautas e agendas, ou seja, prioridades, em especial a questão fiscal (gastar menos), e não se ocupou em preparar o Estado para uma eventual tragédia climática.

Sebastião Melo enfrenta todas as evidências que atolam a sua gestão numa continuidade de negligência e despreparo com a mesma falsa segurança. A já comprovada falta de manutenção dos equipamentos de proteção contra enchentes na capital gaúcha é para ele um detalhe insignificante. O seu mantra é: choveu mais do que o imaginado e o sistema não deu conta. Como dar conta com portão (comporta) abaulado, enferrujado, com enormes brechas, bombas anacrônicas e outros elementos de mesma ordem. Avisos não faltaram. O engenheiro Augusto Damiani ofereceu uma lista de defeitos apontados e não corrigidos. Não faltam documentos atestando que especialistas apontavam os problemas. A arquiteta Lígia Bergamaschi Botta tem dado aulas sobre como usar corretamente o dispositivo existente. Basta mantê-lo operacional.

No melhor estilo marqueteiro, sentindo-se um Zelensky, Leite exibe-se me colete da defesa civil 24 horas por dia. Isso não melhora o seu desempenho. Como governador, patrocinou 480 alterações na legislação ambiental. O ministro do STF Edson Fachin fixou prazo para que ele explique essa passada de boiada sob a fachada de desburocratização o. Ambientalistas de renome e grande conhecimento, de direita ou esquerda, como Beto Moesch, Paulo Brack e Francisco Milanez, não levam 30 segundos para indicar falhas nessa liberalidade de ocasião. Leite irrita-se, sem perder totalmente a pose de autocontrole e impassibilidade, com jornalistas não suficientemente especializados para desconstruir suas repetições labirínticas.

A recusa em admitir qualquer erro, além de ser talvez uma defesa renitente por medo das consequências, pode ser também o mais loquaz dos atos falhos: a confissão, embora negando o negacionismo, de que não se crê em qualquer papel humano nas mudanças climáticas. O feito e o não feito, nessa perspectiva, não contam. Afinal, os desígnios da natureza seriam insondáveis, imprevisíveis e alheios ao humano.

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Páginas de perdas e danos

Dostoievski e Bukowski também foram engolfados

Perderam-se vidas, casas, comércios, anos de trabalho e esperanças. Em Porto Alegre, no setor livreiro, fortemente instalado no 4º distrito, os estragos são de monta. A editora L&PM, a mais prestigiosa do Rio Grande do Sul no país, salvou em torno de 90% do seu estoque de 900 mil livros, o que significa uma perda em torno de 90 mil exemplares. A sede da editora, na rua Comendador Coruja, perto da avenida Farrapos, foi seriamente atingida. Editoras costumam manter mais ao alcance da mão os livros mais vendáveis do momento. As perdas, portanto, atingem material de grande liquidez. Com 50 funcionários, um catálogo invejável e capilaridade nacional, a L&PM dará a volta por cima com relativa rapidez, mas sofreu perdas que poderiam não existir se a cidade estivesse em dia com seu sistema de proteção contra cheias.

Depósito da L&PM na AJ Renner

Hora de limpeza

Sexta-feira, 23 de maio, chovia forte em Porto Alegre.

A equipe de 12 pessoas da L&PM trabalhava duro. A água ameaçava voltar.

Contra o rio de lama

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Uma coisa é uma tempestade, bem outra é uma incapacidade de se preparar, apesar dos alertas, por não se acreditar no perigo iminente ou por se estar ocupando planejando futuros inviáveis.

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Provada a negligência da gestão municipal, não é difícil imaginar que irão pulular as ações na justiça pedindo indenização.

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