Juremir Machado da Silva

Pampa gaúcho em Casa Vazia

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Pampa gaúcho em Casa Vazia Casa Vazia | Foto: Panda Filmes

Sou daqueles que não perdem filmes sobre a vida na campanha gaúcha. Isso desde que, criança, ia ver os longas de Teixeirinha, no cinema Internacional, em Santana do Livramento. Longas filas se formavam para as estreias. Assim, não poderia deixar de conferir Casa Vazia, dirigido por Giovani Borba, rodado justamente em Livramento. O que se vê? A paisagem triste de uma região vasta, na qual a soja avança e os trabalhadores rurais, a peonada, vai sendo expulsa do campo. Raul (Hugo Noguera) vai perdendo os pedaços até entrar para um bando de ladrões de gado. O abigeato faz parte das “tradições” dos campos da fronteira.

O filme tem cenas feitas em Palomas, terra da minha infância. Não faz muito, por lá, 12 ovelhas foram estraçalhadas no sítio do meu primo Eleú. Algumas amanheceram boiando na lagoazinha da frente da casa. Em Casa Vazia, mais um capítulo das sagas do “gaúcho a pé”, consagradas na literatura por Cyro Martins, o personagem perde família, valores, trabalho e esperanças. Os diálogos capturam com perfeição a sintaxe das pessoas do lugar. Raul é um desses gaúchos de pouca fala e muita introspecção. Gaúcho de bicicleta vendo grandes máquinas avançarem sobre as terras da sua existência. O roteirista não resistiu à tentação de incluir no filme um pouco do imaginário da região: a benzedeira, as carreiras de cancha reta (corridas de cavalo), o negrinho do pastoreio revisto como fantasma que ronda os sonhos ou pesadelos das pessoas.

Lento, certamente para acentuar o tempo que não passa para quem já perdeu tudo e nada mais espera, Casa Vazia não negocia com qualquer momento de leveza. José Newton Canabarro, ator e professor em Santana do Livramento, figura incontornável da cultura santanense, atua no filme. Impossível, para quem é daquela área, não se ver naquelas casas baixas, naquelas coxilhas e baixios, naquelas taperas ou quase, naquelas sangas, plantações, açudes e ranchos. Possivelmente não seja um filme para grandes plateias, como não são, em geral, os produtos das culturas de periferia como a nossa. Há uma tristeza tão desentranhada no filme que vai muito provavelmente afastar quem busca só um entretenimento e fotografias das belas paisagens desse pampa a perder de vista.

A soja e os eucaliptos talvez venham a engolir cultivos mais romantizáveis como a uva e a oliveira. Em Palomas, segundo os rumores populares, Galvão Bueno é dono de parte das terras que um dia foram do Seu Candoca, ou lindeiras. Algo se quebra quando penso assim. Tanto faz quem é o patrão? Possivelmente. O tempo não para e, no entanto, ele sempre envelhece os que ficam pelo caminho. Casa Vazia produz obviamente uma enorme sensação de vazio, de desemparo, de desconstrução. Remete a outro desmitificador bem mais longínquo, Alcides Maya, de Tapera e Alma Bárbara. A posteridade na “sociedade do espetáculo” prefere reter os que mitificam. Tristeza demais assusta. Giovani Borba é bom guia para quem deseja conhecer a realidade nua e crua da campanha.

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