Juremir Machado da Silva

Retratos do Brasil

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Retratos do Brasil Temporal do dia 16 deixou milhares sem luz e água na capital | Foto: Alex Rocha/PMPA

A editora L&PM relança um clássico sobre a identidade brasileira: Retratos do Brasil, de Paulo Prado, publicado originalmente em 1928. A nova edição tem um prefácio magistral do professor João Carlos Brum Torres. Prado foi um dos intérpretes do Brasil, como seriam também Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Viana Moog, Darcy Ribeiro e o ainda atuante Roberto DaMatta. De certo modo, cada um deles recoloca a pergunta: de que é feito o Brasil? O livro de Paulo Prado começa com uma frase bombástica: “Numa terra radiosa vive um povo triste”. É isso mesmo?

Passado quase um século da primeira edição de Retratos do Brasil, o brasileiro ganhou fama de alegre. A tristeza denunciada por Prado viria do encontro, ou desencontro, de três “raças”: a branca, portuguesa, que só queria saquear o Novo Mundo e voltar rica para a “terrinha”; a dos povos originários, lúbricos demais para a moral do ensaísta, e sem noção de futuro e de acumulação; a dos negros africanos arrancados à força de seus mundos para fazer girar a roda do capitalismo comercial na colônia portuguesa da América. Clássico precisa ser lido, independentemente da atualidade das suas teses, pelo valor histórico e, neste caso, pelo valor literário da obra.

Qual o retrato atual do Brasil? Na última semana, em Porto Alegre, poderia ser este: numa terra às escuras vive um povo desencantado. A Equatorial, nome apropriado para uma enésima versão colonial, comprou a CEEE, empresa pública de energia elétrica. Por toda parte, a elite local bradava: “Privatiza que melhora”. Retirada uma exigência de plebiscito, que tornava a população fiadora da privatização, o grande salto foi dado: a privatização aconteceu. De lá para cá, piorou bastante. Os envolvidos sugerem que a culpa é das profundas mudanças climáticas, que não estavam previstas em contrato.

Certo é que quase uma semana depois do temporal ainda havia gente sem luz. No retrato atual do Brasil uma velha questão permanece: público ou privado? A colonização começou, de fato, com uma Parceria Público-Privada. Fernando de Noronha recebeu concessão. A Coroa portuguesa entregou ao setor privado a ocupação do novo território. De lá para cá, nunca mudou: os modernos, tão antigos, vivem com os olhos voltados para a Europa. Até no futebol, apesar das nossas glórias, querem jogar como  europeus. Eternos “vira-latas” latindo para a lua.

Paradoxo há: a Europa resguarda o público, aposta em trens, vive modernamente às antigas. A elite brasileira “americanizou-se”. Ou seja, só se reconhece no que vem de fora, dos Estados Unidos. E assim se descobre o que continuava encoberto: numa terra radiosa vive um povo triste e uma elite alegre. A alegria da última é alimentada pela tristeza dos primeiros. O contrário também ocorre: numa terra radiosa vive um povo alegre e uma elite triste. A tristeza desta vem do fato de que até hoje não conseguiu converter definitivamente o povo ao seu vira-latismo. Nelson Rodrigues foi também um dos grandes intérpretes do Brasil. O reacionário cronista sabia iluminar a nossa melancolia.

Tambor tribal

O prefeito Sebastião Melo, apesar da incompetência confirmada da Equatorial, diz que não se arrepende de, como deputado estadual, ter votado a favor da privatização da CEEE. O governador Eduardo Leite garante que o serviço melhorou depois da venda da empresa pública. Ideologia é assim, não se discute nem se prova, é só crença mesmo.

Parêntese da semana

Parêntese #209: Incomunicáveis”. Recado da editora, Luísa Kiefer: Impossível abrir a news de hoje sem mencionar o sentimento de fim do mundo provocado pelo forte temporal que assolou o Rio Grande do Sul, especialmente Porto Alegre e região metropolitana, na noite de terça-feira. Na capital, por volta das 22h, passados apenas os primeiros minutos da tempestade, a luz acabou na maioria dos bairros. Em seguida, se foi o sinal de celular. Sem 3G, sem poder fazer ligações, sem poder mandar um SMS, ficamos isolados, em pleno século 21. Daí, aquela constatação que soa até meio ridícula: hoje em dia sem internet não somos nada. Que mundo avançado é esse que, em caso de catástrofe, fica incomunicável?”

Frase do Noites

O iluminista, em tempos de falta de energia elétrica, dispara: “Numa terra de elites obscuras vive um povo nas mãos da Equatorial”.

Imagens e imaginários

No Pensando Bem, que vai ar todo sábado, 9 horas, na FM Cultura, 107,7, em parceria com Matinal, revista Parêntese e Cubo Play, e apoio da Adufrgs Sindical, Nando Gross e eu entrevistamos Sergius Gonzaga. Uma conversa sobre literatura, educação, cursinhos pré-vestibular, Enem e figuras inesquecíveis de Porto Alegre como Décio Freitas, Joaquim Felizardo, Voltaire Schilling e outros grandes intelectuais.

Escuta essa

Profissional da comunicação, colunista de opinião, palpiteiro contumaz, confiro tudo o que chama atenção. Ao saber que o cantor Jão lotou duas vezes o estádio do Palmeiras, o Allianz Park, em São Paulo, com 50 mil pessoas de cada vez, e que ele pretende ser a Taylor Swift do Brasil, fui escutar. Não é funk, não é sertanejo, não é pagode, não é rap, não é MPB estilo Caetano e cia. O que é então? Diga, leitor.

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