Juremir Machado da Silva

Revolução cultural: de Mao a Taylor Swift

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Revolução cultural: de Mao a Taylor Swift Taylor Swift | Foto: Eva Rinaldi

Em 2007, fui à China. De lá, escrevi sobre líderes revolucionários. Passados tantos anos, nada mudou. Eu sempre achei stalinistas, trotskistas, capitalistas convictos, maoístas, lacanianos, freudianos, esquerdistas, direitistas e outros do gênero uns exagerados. Toda sorte de militantismo é uma grande bobagem, ou seja, uma forma de submissão. Só me encantam os franco-atiradores e os malditos. Mas eu sei que a humanidade adora reverenciar, ser comandada, seguir um líder e ser conduzida como uma tropa. Houve um tempo em que a moda era acreditar em líderes políticos messiânicos. Houve também o tempo dos “maîtres-à-penser”, os intelectuais, com Jean-Paul Sartre e outros ilusionistas brilhantes ou nem tanto à frente. Sartre mentiu enormemente sobre a União Soviética. Hoje, na falta de algo melhor, é o tempo de adorar as celebridades. Passamos de Mao, Stalin, Sartre, Getúlio Vargas ou Lamarca aos personagens efêmeros da cultura pop. A deusa do momento é Taylor Swift. Joe Biden acha que pode se reeleger com uma palavra dela.

Na juventude, Mao Tse-tung teve uma ideia capaz de me deslumbrar. No verão de 1917, ele e alguns amigos fizeram uma viagem de férias pelo campo. Andaram vagabundeando por um mês. Certa noite, dormiram num mosteiro, no alto de um morro, tendo o rio Xiang aos pés. A turma, segundo a biografia de Jon Halliday e Jung Chang, Mao, uma história desconhecida, ficou até de madrugada conversando. Mao revelou o que pensava dos seus compatriotas: “A natureza do povo do país é a inércia. Eles cultivam a hipocrisia, estão contentes em ser escravos e são tacanhos”. A China certamente mudou bastante. Tudo se movimentava nela quando a visitamos. Num arroubo, naquela noite, Mao defendeu a queima de todas as coleções de prosa e poesia da China posteriores às dinastias Tang e Sung. Décadas depois, ele mandaria mesmo queimar livros.

Queimar literalmente livros é sempre uma ideia totalitária. Atualmente basta publicá-los para que sumam. O jovem Mao estava certamente pensando metaforicamente. O problema é que depois ele chegou a transformar suas metáforas em realidade. Eu diria que 80% da produção cultural mundial poderia ser destruída sem qualquer prejuízo para a humanidade. O bom de visitar um lugar tão distante e diferente quanto a China é o exercício de relativismo automático. Nossas celebridades quase não existem por lá. Nem mesmo Paulo Coelho. Talvez nem Taylor Swift.

Nossas façanhas felizmente não têm servido de modelo a toda terra. A frase do jovem Mao sobre a inércia como natureza do povo parece ter sido cunhada para ser aplicada aos terráqueos. Eu sei que muita gente se ofende facilmente com esse tipo de afirmação. Gostávamos de tapar o sol com a telinha da televisão, que mostrava todo dia a canalhice dos políticos e a mediocridade das elites. Isso acabou. A telinha agora é outra, especialmente a do celular. As crianças são formadas por ela. Talvez nunca se tenha consumido tanta música ruim. Biden, apesar de bons resultados na economia, vai mal. É um ancião querendo mais numa sociedade que só cultua jovens. O mundo está nas mãos de Taylor Swift.

Mao não viveu para ver a maior das revoluções culturais.

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