Juremir Machado da Silva

Sapiens contra sapiens

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Sapiens contra sapiens Reprodução

A L&PM é uma editora especial. Nascida e consolidada fora do eixo Rio de Janeiro – São Paulo, funciona como Internacional e Grêmio, pela ordem, disputando grandes títulos com os que se acham donos da bola. O catálogo da L&PM não perde em nada para o da poderosa Cia das Letras. Li e comento agora Sapiens contra Sapiens, a trágica e esplêndida história da humanidade, qual o futuro da espécie humana, de Pascal Picq, publicado pela L&PM. Tem a profundidade que Yuval Harari sonha ter.

Pascal Picq é paleantrópologo, professor do prestigioso Collège de France, onde fiz os cursos de Umberto Eco e Pierre Bourdieu. No Collège de France só lecionam gigantes. A instituição não dá notas nem diplomas. Contenta-se em fornecer conhecimento. Apesar dessa carta de apresentação, o texto de Picq é leve, bem-humorado e consistente. O pontapé inicial já tira o leitor de qualquer zona de conforto: “Assim, há apenas 40 mil anos, várias espécies humanas coabitavam: os sapiens (Homo sapiens), os neandertais (Homo neanderthalensis), os denisovanos, os pequenos homens de Flores e, recentemente descobertos, os de Luzon (ou Luçon)”. Humanos na África, na Europa, na Ásia. Como foi que desapareceram? Como se deu a vitória dos sapiens sobre os demais?

Narrativa envolvente, revisa inclusive o papel da mulher na grande saga da evolução humana: “É preciso observar que essas ferramentas não surgem relacionadas ao consumo da carne e, outro cânone da pré-história, não foram inventadas pelos machos, do gênero Homo ou não. Tudo começa em função dos vegetais e, principalmente, em torno das mulheres”. A carne, porém, faz parte de um itinerário sem o qual dificilmente se chegaria aos dias de hoje. Como surgiram os homens? Como se deu a evolução? O surgimento de novos fósseis não para de alterar hipóteses tradicionais. Algumas conclusões são deliciosamente provocativas: “Nossa espécie se caracteriza por um triste fato: o homem é o pior inimigo da mulher, como atestado pela inacreditável violência contra as mulheres – violência que, é preciso dizer, vem menos da natureza que da cultura”.

Como não se arrepiar diante da informação de que esses homenzinhos das Flores (uma ilha) “desapareceram há apenas 13 mil anos”? Ontem. O que explicaria esse desaparecimento? “Mais uma vez surgem a hipótese da erupção vulcânica – estamos nas Ilhas de Sonda –, mas também, e mais provável, a hipótese de uma reação à chegada do Homo Sapiens; a onda humana teria sido mais exterminadora do que a das lavas ou a de um tsunami”. O leitor certamente ficará impressionado com informações normalmente desconhecidas: os humanos começaram a navegar, a produzir roupas e cozinhar alimentos muito antes do que se costuma imaginar.

Chegamos ao topo da estabilidade? O movimento nunca para. Migrações indicam que estamos a caminho de novas configurações: “O Homo sapiens que nunca foi tão numeroso, circula por seu planeta. Os distúrbios climáticos e as degradações dos ambientes terrestres e oceânicos obrigam cada vez mais as populações a buscar refúgios em outros lugares, e esses outros lugares não estão do outro lado do horizonte, eles fecham o horizonte: as cidades”. Um livro imperdível.

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