Juremir Machado da Silva

Sobre o tempo e a vida que segue

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Sobre o tempo e a vida que segue Foto de Matthias Zomer

O tempo é a principal matéria dos meus pensamentos. Pensei nisso, ontem, 29 de janeiro, ao chegar a 62 anos de idade, três antes da aposentadoria pelo INSS. Afinal, fui atingido em cheio pela reforma de 2019: dormi a quatro anos da aposentadoria e acordei a sete. Mas essa é outra conversa. O tempo é o tema da minha poesia, dos meus romances, contos, crônicas e até, muitas vezes, dos meus ensaios.

Nas minhas gavetas, muita coisa para driblar o tempo: um romance, Inferno no paraíso; uma novela, A grande ideia; um remake, A prisioneira; um livro de poema, 21 poemas desesperados e uma canção de amor; um dicionário da memória afetiva, Minha França; um projeto em andamento, o Dicionário Michel Maffesoli; e outros engatilhados para os próximos tempos: um ensaio, Convencimento e consequência, e uma ficção, Do que eu me lembro. Escrevo cada vez mais para mim. Publico, mas não me deixo conduzir pelos julgamentos feitos. Uma vez, entrevistando Vargas Llosa no Festival de Cinema de Veneza, conversarmos sobre escrever. Ele me disse: “Nunca pense no que vão dizer”. Eu, que já fazia isso, fiquei mais fortalecido ainda.

Vez ou outra, combato disparates por amor à polêmica. No resto, sigo exclusivamente a minha sensibilidade. Sei o que quero. Tenho um projeto estético. Acredito nele. Gosto de muitos autores brasileiros, inclusive gaúchos. Não tomaria lições de nenhum deles. Não por orgulho ou vaidade: por saber que trilhamos caminhos diferentes, embora alguns deles, ciosos de seus pequenos sucessos, pensem que descobriram o caminho certo a ser trilhado. Sou um leitor profissional. Só dou opiniões em artigos. Ouço, porém, muito parecer condescendente. Não respondo. Poderia fazê-lo por gosto da réplica ferina. Aprendi, porém, que minhas raras respostas ferem profundamente. Então, eu me calo.

E assim, combativo, indomável, golpeado muitas vezes, cancelado da mídia tradicional, cheguei aos 62 anos de idade, como sempre, ouvindo Belchior, lendo Cesar Vallejo, Rimbaud, Baudelaire e Eliot, viajando por aí, gravando programas de rádio, que agora chamam de podcast e juram que é diferente, zombando de modismos, de vira-latismos, comprando briguinhas no X, mergulhado na cultura francesa, minha pátria de adoção, sonhando com Palomas, uma Palomas que talvez nunca tenha existido, embora exista, salvo em minhas divagações.

Não tenho medo do tempo que virá. Temo ser tragado pelo tempo que passou a ponto de romper com o presente. Não que o passado fosse melhor. Ele apenas tem a garantia de já ter sido vivido. No caminho, encontrei amigo e fundamentalmente um grande amor, Cláudia. E assim vamos seguindo clamando apenas para que não deixem o samba morrer. O samba, a Bossa Nova, a poesia, a arte, pois toda forma de arte vale a pena, principalmente a arte que faz refletir sobre o tempo. Por isso, escuto Mercedes Sosa, Años e Todo cambia, Gal contando Dez anos e tantas outros e outras que falam da vida que segue. No tempo do sertanejo, sou anacrônico. Colaram-me um rótulo injusto, que não gosto de tecnologia, quando vivo dentro dela desde sempre. Só ainda não encontrei utilidade pessoal para drone. Então, não os tenho.

Todo dia eu canto silenciosamente para não ferir ouvidos com minha desafinação: “como é perversa a juventude do meu coração…”

Tambor tribal

Finalmente a Polícia Federal achou o caminho da casa de Carlos Bolsonaro. A Abin paralela traça um paralelo com o quadrado do círculo inventado pelo capitão: triangulação permanente em defesa de geometrias variáveis e de jogadas fora das quatro linhas da regra.

Parêntese da semana

“Parêntese #210: Indignação”. Vida que segue. Luísa Kiefer: “Seguimos reverberando os estragos da tempestade. Na edição de hoje, Marcia Benetti e Olga Falceto colaboram com textos indignados sobre o tempo em que Porto Alegre era demais e como a privatização de serviços como água e luz tornou o atendimento à população ainda pior. É preciso pensar, e colocar em prática, medidas para melhorar nossa cidade, de pequenos gestos, como recolher o lixo das ruas, a outros mais complexos. Um deles é escolher com consciência o candidato a ser votado no pleito municipal deste ano”.

Frase do Noites

O iluminista me felicita pelo aniversário: “Não é o tempo que passa, nem mesmo nós que passamos, é só uma ilusão de sequência”.

Imagens e imaginários

No Pensando Bem, que vai ar todo sábado, 9 horas, na FM Cultura, 107,7, em parceria com Matinal, revista Parêntese e Cubo Play, e apoio da Adufrgs Sindical, Nando Gross e eu entrevistamos o filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação no governo Dilma Rousseff e atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Uma conversa sobre política, cultura, educação e brasilidade.

Escuta essa

Como fiz 62 anos de idade ontem, ouvi algumas músicas que carrego comigo como trilhas sonoras de minhas andanças, sonhos e perspectivas. Tudo outra vez, de Belchior, é uma delas.

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