Juremir Machado da Silva

Vera Holtz é Sapiens no São Pedro

Change Size Text
Vera Holtz é Sapiens no São Pedro Foto: Alê Catan

Sapiens, do historiador israelense Yuval Harari, é um belo livro. Nunca me pareceu, contudo, adaptável para o teatro. Fomos ver, no São Pedro, a grande atriz Vera Holtz fazendo o impossível: dar vida a essa obra no palco. Funciona. Não totalmente. Não inteiramente pelo texto de Harari. Em grande parte, pelo talento de Vera e pelos desvios em relação a esse elemento catalisador. Ao final, ovação. Vera Holtz mostra-se em cena como se estivesse comodamente em casa. Há bons momentos cômicos. Não o bastante para justificar a escolha. No teatro, como em literatura, está na moda pegar um tema que fisga e depois tratar de outros. É um pouco a especialidade de Paul Auster e de Emmanuel Carrère. Em Ioga, o francês fisga o leitor com essa prática que apaixona gente pelo mundo e finalmente trata mesmo é de sua internação psiquiátrica. Depois de agarrado, não se volta atrás.

Harari realizou uma façanha: retomar a força do ensaio histórico, transformando-o em best-seller mundial. Compilador altamente competente, consegue dar sentido e interesse a informações que muitas vezes se perdem no oceano de pequenas descobertas acadêmicas. Fui um dos primeiros a falar sobre o livro Sapiens, então publicado pela editora gaúcha L&PM, no Brasil. Gostei tanto que publiquei seis artigos enfileirados. Citei belas provocações de Harari: “Se você conta com serviços nacionais de saúde, fundos de pensão e escolas públicas, tem muito mais a agradecer a Marx e a Lênin (e a Otto von Bismarck)…” Mas “a despeito de o passatempo favorito de acadêmicos e ativistas ocidentais consistir em achar defeitos no pacote liberal, até agora eles não conseguiram pensar em nada melhor”.

Gosto muito dessa observação irônica: “As redes de cooperação humanas comumente se avaliam com parâmetros inventados por elas mesmas, e não é de surpreender que não raro se atribuam notas altas”. Vera Holtz interessou-se por outras passagens do vasto texto do historiador mais badalado do mundo atualmente apesar dos seus erros como vidente. Em Homo Deus, uma breve história do futuro (2015), ele abre dizendo que os três maiores males da história da humanidade estão controlados: fome, pestes e guerras. Segundo ele, o açúcar mata mais atualmente do que a pólvora: “No alvorecer do terceiro milênio a humanidade chegou a uma incrível constatação. A maior parte das pessoas raramente pensa sobre isso, porém nas últimas poucas décadas demos um jeito de controlar a fome, as pestes e a guerra”. Errooou!

Uma das melhores estocadas de Harari, em Sapiens, mostra a escravidão como um investimento do capitalismo, cotada em bolsa: “O comércio de escravos não era controlado por nenhum Estado ou governo. Foi uma iniciativa puramente econômica, organizada e financiada pelo livre mercado de acordo com as leis da oferta e da demanda. As empresas privadas de comércio de escravos vendiam ações nas bolsas de valores de Amsterdã, Londres e Paris. Europeus de classe média à procura de um bom investimento compravam essas ações”. Vera Holtz fez uma comédia. Por isso não escolheu passagens como essa da escravidão.É sempre bonito ver o São Pedro lotado, pulsando com energias culturais intensas. Nem só estádios de futebol ficam cheios no Brasil. Ao final, Vera Holtz foi ovacionada pelo público feliz da vida.Em seguida, foi homenageada por Antonio Hohlfeldt, presidente da Fundação Theatro São Pedro, com uma placa. Bonita noite. De chuva.


Tambor tribal (Reitor da PUCRS recebe título de cidadão de Porto Alegre)

Por iniciativa do vereador Moisés Barbosa, o reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Evilázio Francisco Borges Teixeira, recebe hoje, às 17 horas, na Câmara de Vereadores da capital gaúcha, o título de Cidadão de Porto Alegre. Nascido em Vacaria, em 27 de março de 1966, numa família de onze filhos, Evilázio Teixeira, carinhosamente chamado de Vila, é irmão marista. Doutor em filosofia e em teologia, com formação em Roma, está à frente da reitoria da PUCRS desde 2016. Publicou vários livros. O mais recente tem por título Dignidade da Pessoa Humana e o Direito das Crianças e dos Adolescentes (EDIPUCRS, 2021).


Parêntese da semana

“Parêntese #201: Eleições argentinas | 20 de novembro | Albert Camus | Taiasmin Ohnmacht e mais”. Luísa Kiefer destaca, entre tantos excelentes temas: “Luís Augusto Fischer nos conta sobre um passeio em família à Filadélfia, no estado da Pensilvânia, EUA, e sobre como a cidade mantém viva um capítulo vergonhoso da sua história”. Mais: “No mês em que Albert Camus completaria 110 anos, o pesquisador Arthur Grohs apresenta uma justa homenagem ao escritor franco-argelino, que escreveu como poucos sobre a condição humana”. 


Frase do Noites

O iluminista pode ser muito sério e completar citações eruditas. Segundo Bertrand Russel, “há duas maneiras de escrever sobre o futuro, a ciência e a utópica”. Na científica, tenta-se “descobrir o provável”. Na utópica, “o que o escritor gostaria que fosse”. Para Noites, claro feito dia, “há também a distópica, pela qual se descobre o que provavelmente o escritor não gostaria que fosse”.


Imagens e imaginários

No Pensando Bem, que vai ao ar todo sábado na FM Cultura, 107,7, numa parceria da Cubo Play, Matinal e revista Parêntese, com apoio da Adufrgs, Nando Gross e eu conversamos com o maestro Evandro Matté, regente titular da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Modéstia à parte, uma bela entrevista. O convidado fala de música erudita com leveza, alegria e, claro, profundidade. História de um menino de Caxias do Sul que se apaixonou por trompete e regência. 


Escuta essa

Daniel Barenboim toca Beethoven Sonata No. 8 Op. 13 (Patética). Pode chamar simplesmente de sublime. Para que buscar outra palavra?

RELACIONADAS
;

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.