Nando Gross

Digital influencers são crias da mídia tradicional

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Digital influencers são crias da mídia tradicional Foto: Divulgação/Assessoria

A figura do “influencer” nas redes sociais é algo que tem chamado a atenção e, de certa forma, vulgarizou a figura do jornalista profissional. Mas os influencers nasceram antes disso, com outro nome, em canais abertos de rádio e televisão e cada um, a sua maneira, construiu seu modo de atuação, seja no “jornalismo esportivo”, como os identificados que, no Rio Grande do Sul, existem desde os anos 1970, como na política, onde apresentadores e comentaristas sempre se portaram de forma semelhante aos influencers, defendendo uma linha ideológica e focando em um público-alvo definido, tanto de audiência como de patrocinadores.

O fato grave acontecido esta semana e de enorme repercussão, não foi nas redes sociais, foi em TV aberta, como anteriormente tinha sido no radio, quando a Band acertadamente decidiu tirar do ar o programa “Hora Israelita” após a comentarista Deborah Srour ter dito que os palestinos são “animais”, que não há civis inocentes na Faixa de Gaza e que o ataque do exército de Israel contra essa população deveria ser “mortífero”.

Em 2022, no programa mais antigo e famoso de debates esportivos do rádio gaúcho, um comentarista disse que fulano era um “negro de alma branca”, já um apresentador de rádio fez referência ao “cabelo horroroso”, da vereadora Marielle Franco, morta em março de 2018, nada disso foi nas redes sociais, elas apenas serviram de fórum de debates, mas os fatos ocorridos foram em veículos tradicionais. Acontece que agora tudo fica gravado em áudio e vídeo e é repetido milhares de vezes por uma infinidade de perfis e fica muito mais difícil a passação de pano.

Aqui não estou saindo em defesa das redes sociais e muito menos negando os exageros, pelo contrário, já escrevi e falei sobre isso diversas vezes, mas estou chamando os jornalistas profissionais que atuam na mídia tradicional a uma reflexão sobre a responsabilidade dos veículos de comunicação no que está acontecendo. Após o episódio com o Farid, ouvi diversos comunicadores fazendo reflexões sobre o quanto os influencers estão afetando o trabalho sérios dos jornalistas, mas todos parecem ter esquecido que o episódio foi em TV aberta, ou seja, os veículos estão cada vez mais querendo ter os influencers nos seus elencos.

No rádio de Porto Alegre temos agora, além do comentarista do jogo, o comunicador torcedor, o chamado “identificado”. Isso nada mais é do que buscar referências nas redes sociais, antes existiam comentaristas identificados em programas de debates ou colunas de jornal, mas jamais nas transmissões, o torcedor era ouvido pelo repórter, e era isso.

Fui comentarista durante muitos anos na Rádio Gaúcha e jamais na cabine o comentário era dividido entre dois profissionais desta forma: o racional e o passional. Dividi comentários em Copas do Mundo com outros profissionais, jornalistas e profissionais do esporte, como quando dividi um comentário com o técnico Tite, na Copa da África. A ideia era trazer ainda mais conteúdo jornalístico e não um componente emocional mais forte. Hoje, a lógica é outra, o emocional está à frente de tudo, e quando o emocional é o mais forte, convenhamos que não é a discrição o melhor caminho, o mais importante é o exagero.

A figura do “influencer”, de certa forma, desafia a tradicionalidade do jornalismo profissional e levanta questões sobre a vulgarização da profissão. No entanto, é importante compreender que os influenciadores, sob uma designação diferente, têm raízes profundas que remontam aos canais abertos de rádio e televisão. Antes de se tornarem “influenciadores” nas redes sociais, indivíduos que moldaram opiniões e geraram engajamento já estavam presentes nos meios tradicionais, como o rádio e a televisão. No cenário do “jornalismo esportivo”, por exemplo, figuras carismáticas no Rio Grande do Sul marcaram presença desde os anos 1970, desempenhando papéis semelhantes aos atuais influenciadores.

Tanto no âmbito esportivo quanto na política, apresentadores e comentaristas agiam como os influencers modernos, direcionando suas mensagens a um público específico. A necessidade de engajamento, antes chamada de audiência, era uma constante, destacando a importância de manter uma conexão sólida com o público. É crucial reconhecer que a estética do exagero, que está atingindo níveis absurdos, não é novidade e infelizmente vem sendo alimentada ao longo dos anos por empresas de comunicação e profissionais que se prestam a fazer determinados papéis.

Essa abordagem, sempre foi alimentada pela mídia tradicional, seja no sensacionalismo político ou nos comentários inflamados de futebol, a mídia tradicional contribuiu para moldar a narrativa exagerada que hoje associamos aos influenciadores digitais. Repito, os fatos graves ocorridos recentemente estão nos veículos de concessão pública e estes devem ser especialmente fiscalizados e cobrados pela sociedade.

A essência da conexão emocional entre o “influenciador” e seus seguidores permanece a mesma. O que antes era chamado de audiência, agora é medido em termos de engajamento nas redes sociais. A estética do exagero, que às vezes chega ao absurdo nas redes, sempre foi alimentada pela mídia tradicional. Portanto, ao analisarmos a influência nas redes sociais, é essencial reconhecer as origens dessa tendência e compreender como a transformação digital apenas deu uma nova forma a algo que já existia, desafiando, mais uma vez, a profissão de jornalista.

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