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Centro Histórico para quem?

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Centro Histórico para quem?

O Centro Histórico de Porto Alegre entrou recentemente em um processo de transformação. A partir de intervenções patrocinadas ou incentivadas pela prefeitura, uma série de obras tendem a modificar o dia a dia do bairro em que a cidade começou. O pano de fundo desse movimento é a dita “revitalização” da área, com o objetivo de trazer mais eventos e moradores a uma região – que já é densamente povoada. Vale a reflexão, para quem servirão essas mudanças? 

Conforme destacou a imprensa na última semana, há, numa escala macro, ao menos cinco grandes obras em andamento ou em vias de começar, movimentando quase meio bilhão de reais – recursos oriundos em parte do poder público, em parte do meio privado. E alocados em apenas um só bairro. Em linhas gerais, a prefeitura justifica as ações em nome de elevar o potencial turístico do Centro e de garantir “vida nas ruas” em diferentes horários e dias. 

Dentre as grandes obras já iniciadas ou num horizonte próximo estão as reformas na Usina do Gasômetro, no Viaduto Otávio Rocha e nas ruas do chamado Quadrilátero Central, além da concessão do Cais Mauá – cuja segunda tentativa de leilão deve ocorrer em poucas semanas – e o projeto de um prédio de quase 100 metros de altura na rua Duque de Caxias. 

O departamento gaúcho do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB RS) já manifestou-se sobre o edifício na Duque, que é relembrado agora: “Esse projeto revela uma cidade sem rumo, sem respeito ao patrimônio cultural edificado, sem conhecer os impactos de tráfego gerados pelo empreendimento que irá dispor de mais de 600 vagas de automóveis, e com problemas de insolação no entorno”. 

Esse caso representa o que vem sendo promovido para o Centro, uma proposta de desenvolvimento econômico que explora os edifícios em altura como símbolo de modernidade, quando são de fato uma forma de aumentar a arrecadação do município com o solo criado, a partir da liberação de novos índices. No entanto, destaca-se que o uso de solo criado não é mais aquele previsto no Estatuto da Cidade, uma vez que tem se revertido em investimento que valoriza o próprio empreendedor, sem promover o desenvolvimento social.

E mesmo hoje, quando essa política não tenha sido efetivamente colocada em prática, seus efeitos já começam a ser sentidos. Já se notam, por exemplo, as placas de residências à venda no Centro, assim como a mudança no perfil do comércio da Andradas, outrora mais popular. 

A prefeitura, por sua vez, nega o caráter gentrificador das medidas adotadas e defende os “atrativos” pensados. Nisso, provocamos a reflexão: que Centro é esse e quem acaba beneficiado a partir de rápidas aprovações a projetos de grande magnitude? Seria o Centro deste novo público que passou a frequentá-lo nos últimos anos com fins de consumo a partir de empreendimentos como o Cais Embarcadero? 

Já diante deste aumento de “população visitante” do Centro, pouco ou nenhum avanço houve na área de mobilidade. Grande exemplo e ainda presente na memória ocorreu poucos meses atrás, quando o trânsito da região praticamente colapsou a partir de um grande evento no Cais, o South Summit. Sem incentivos relevantes ao transporte público, houve, sim, asfaltamento de vias históricas próximas à Igreja das Dores, num desrespeito ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) e como bem a Justiça entendeu

O IAB RS vê como fundamental que o fomento a esta maior mobilidade esteja acompanhado de planejamento, de melhorias para o transporte público, de infraestrutura, de atenção a efeitos como a poluição sonora provocada a partir deste novo fluxo. É necessário pensar a cidade e seu crescimento sustentável. 

Naturalmente o Centro precisa de reformas pontuais, mas essas devem vir acompanhadas de um respeito ao patrimônio edificado e dos desejos da população residente, responsável por passar às novas gerações muito da história da nossa cidade. O IAB RS enfatiza da importância de não descaracterizá-lo e salienta que um programa para o Centro só seria de fato efetivo se contemplar também propostas concretas para habitações de interesse social e à preservação do patrimônio. 

Uma cidade precisa ser democrática em seus lugares, em seus bairros históricos. Deve ser acessível para a sua população num todo, sem a distinção de recortes econômicos. 


Colaborou
Clarice Oliveira
copresidenta IAB RS

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