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Pelo ar que respiramos – e o mundo que vivemos

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Pelo ar que respiramos – e o mundo que vivemos

O nosso ar está mais carregado, e isso não é necessariamente uma metáfora. Ele está porque, desde a retomada das atividades e o gradual retorno às rotinas depois dos fechamentos da pandemia, em 2020, o mundo e o Brasil voltaram a elevar suas emissões de dióxido de carbono (CO2). Mais conhecido como gás carbônico, esta molécula é uma das principais responsáveis pelo efeito estufa, que, por sua vez, tem papel chave nas mudanças climáticas. Em nível mundial, conforme a revista Nature, 2022 teria sido o ano com recorde de emissões, com 36,1 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera.

No caso do Brasil, um dos fatores mais relevantes para essa geração de gás carbônico é a chamada mudança do uso da terra – em outras palavras, desmatamento e queimadas de mata nativa para gerar mais áreas para plantações e/ou criação de gado. Em setembro de 2022, um estudo com 30 cientistas, coordenado por Luciana Gatti, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontou que os recordes de desmatamento e queimadas em 2019 e 2020 causaram, respectivamente, um aumento de 89% e 122% nas emissões de gás carbônico na comparação com a média anual registrada entre 2010 e 2018. Nessa toada, o Brasil, hoje, tem mais cabeças de gado do que pessoas, de acordo com o IBGE.

Dados do Observatório do Clima mostram que o Brasil, em 2021, emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente a um aumento de 12,2% em relação a 2020 (2,16 bilhões de toneladas). Ou seja, mesmo com a implementação de um mecanismo internacional como o mercado de carbono, que visa estabelecer compromissos mais rígidos para reduzir as emissões, não foi capaz de diminuí-las. Por seguir uma pauta centrada na economia, tornou-se mais uma forma que diferentes agentes continuarem poluindo, resultando em lucro para o ente privado e prejuízo ao meio ambiente.

Agenda ambiental no Brasil

Nesse cenário, é importante lembrar que o Brasil é signatário de cooperações internacionais em prol de um meio ambiente mais saudável e justo, como o Acordo de Paris – que visa limitar o aquecimento da Terra em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Busca, também, reduzir o seu desmatamento a zero dentro de sete anos, até 2030 – metas que, a partir do cenário de hoje, não parecem factíveis de serem cumpridas neste prazo.

O Brasil ainda trabalha em prol do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, dentre os quais estão o uso de energia limpa e acessível e a atuação na ação contra a mudança global do clima. Desta mesma agenda, o governo do Rio Grande do Sul é parceiro. Há, portanto, compromissos institucionais em diferentes instâncias em prol de uma atuação que vise, no mínimo, mitigar a emergência climática. O mundo espera respostas e iniciativa do Brasil. Já são mais de 30 anos desde a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro e, apesar de questões ambientais aparecerem nos mais diversos discursos, na prática, vemos que a natureza segue sendo negligenciada.

No processo eleitoral de 2018, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/BR) e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), lançaram carta aberta às candidaturas à presidência e governos de estado, clamando atenção dos futuros gestores às questões urbanas e ambientais. Nos anos de gestão federal no governo Bolsonaro, ao contrário da priorização da agenda ambiental que vinha ocorrendo, o que se viu foi um abandono da pauta, resultando em um Ministério do Meio Ambiente gerido por um agora ex-ministro indiciado por contrabando de madeira ilegal.

Grave, urgente e grande, as mudanças climáticas também são pautas nas cidades, que são onde vivem a maioria da população brasileira desde a década de 1970. Desde 2010, o censo do IBGE aponta que mais de 84% da população brasileira se concentra em áreas urbanas. Em 40 anos as cidades cresceram desordenadamente e adotaram um modelo rodoviarista. Em nome do progresso, os impactos se refletem em uma mudança significativa e drasticamente sobre a natureza à sua volta. Em Porto Alegre, praticamente dois terços de todas as emissões de gases do efeito estufa são produzidos por veículos motorizados utilizados no transporte.

Aumento dos fenômenos climáticos extremos

Nos últimos anos, tragédias ambientais cresceram em força e número, ocasionando mais mortes. Ainda que tenha enfrentado duas das mais severas estiagens de sua história nos últimos três anos, incluindo 2023, o RS, neste momento, está às voltas de ações para reduzir os efeitos de seguidas enxurradas causadas por enchentes, que provocaram a morte de cerca de 50 pessoas e obrigaram mais de 25 mil a saírem de suas casas – muitas das quais simplesmente não existem mais. Tal momento ocorre, vale lembrar, em dias nos quais a maioria das cidades do país enfrenta uma onda de calor atípica entre o fim do inverno e o início da primavera. Não podemos aceitar isso como o novo normal.

E mesmo que atinja a população em geral, os efeitos da mudança climática são mais pesados e trágicos em grupos mais vulneráveis, vítimas de um processo de desigualdade social há anos, negando o direito à habitação digna e segura a essas populações, fazendo com que que elas precisassem viver em periferias ou áreas sensíveis a eventos climáticos, seja em encostas de morros ou próximas a corpos d’água. Apenas em Porto Alegre, o contingente de pessoas morando em áreas consideradas de risco pelo poder público praticamente dobrou na última década, chegando a 84,4 mil – 6% da população da maior cidade do estado.

O departamento gaúcho do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB RS) vê o cenário com preocupação. O planejamento urbano e a arquitetura devem fazer parte desta guinada de rumos, de forma a mitigar riscos à população nas diferentes escalas, do grupo de moradores ribeirinhos ao centro das cidades. A localização da população em maior vulnerabilidade social junto às áreas de encostas ou áreas de risco de inundação exigem uma postura de prevenção e de requalificação urbana de infraestrutura para enfrentamento de eventos extremos. Além disso, as condições das habitações devem e podem ser amparadas por programas que propiciem a atividade profissional em Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS). Também a partir de edificações seguras e sustentáveis fora de áreas de risco e de preservação ambiental, em regiões seguras, com a implantação de políticas públicas sólidas e comprometidas.

As cidades vivem um momento desafiador no que diz respeito ao avanço e espraiamento das áreas urbanizadas em detrimento de áreas naturais. Como exemplo muito próximo, temos o projeto de urbanização da fazendo do Arado, em área de banhado e de extrema importância para a amortização de inundações e alagamentos do Guaíba.

São novos tempos, e é urgente repensar a forma de conduzir as cidades, não apenas incentivando, mas proporcionando maior responsabilidade coletiva, por exemplo, a partir da promoção da mobilidade urbana sustentável – tema que será abordado em nossa próxima coluna – como uso dos modos ativos, através de boas calçadas e ciclovias seguras, acessíveis e confortáveis para toda população. Faz-se preciso priorizar o transporte coletivo, qualificar os serviços e eletrificar a frota, de forma a reduzir a emissão de gás carbônico na atmosfera, evitando poluir em níveis irreversíveis, ao fim, o ar que todos respiramos.

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