Reportagem

Porto Alegre quase dobra número de pessoas em áreas de risco em 10 anos

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Porto Alegre quase dobra número de pessoas em áreas de risco em 10 anos Em agosto de 2022, DMLU realizou operação emergencial de limpeza na Rua da Represa, onde homem morreu após ser arrastado por uma enxurrada. Foto: André Carolino / DMLU / PMPA

Levantamento feito em parceria com Serviço Geológico do Brasil mostra que cerca de 84,4 mil moradores estão em setores com chance de deslizamento e enxurrada; Ilhas, Jardim Carvalho e Coronel Aparício Borges estão entre os mais graves

O número de pessoas que vivem em áreas de risco em Porto Alegre praticamente dobrou em 10 anos. Se, em 2013, mais de 44,4 mil estavam em locais de risco alto ou muito alto, um levantamento realizado pela Prefeitura em parceria com o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) mostra que o total passa de 84,4 mil atualmente, um aumento de mais de 90%.

O mapeamento desses setores e a gravidade da situação em cada um deles foram apresentados nesta segunda-feira, dia 3 de abril, no Centro Administrativo Municipal. O CPRM entregou, junto à análise, um Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR). A longo prazo, a solução é transferir as famílias para locais seguros e evitar a reocupação com ações de desenvolvimento urbano. Contudo, alegando caixa vazio e falta de linhas de financiamento para moradias, o prefeito Sebastião Melo (MDB) defendeu atuação pontual nos locais de risco mais iminente. 

“O plano está feito, bem entregue. Agora vamos nos debruçar sobre ele. Dentro dos (setores de) muito alto risco, quais são as primeiras (famílias) que vamos atacar (o problema). Vamos levar esse assunto para o Ministério Público, também, para que eles nos ajudem no convencimento sem necessidade de demandas judiciais”, disse Melo. “Tem famílias que se negam (a deixar as áreas). Em caso de (negativa), a decisão está anunciada: em determinadas situações, vamos entrar com ação judicial”, garantiu. “A mão que afaga é a que te apedreja. Na primeira morte que tiver em uma área dessas vão dizer que a culpa é do prefeito. Não é uma decisão fácil, mas em alguns casos vamos ter que levar ao Judiciário.”

O secretário de Habitação e Regularização (SMHARF), André Machado estima em mais de R$ 2,3 bilhões o valor necessário para o reassentamento das 20,8 mil famílias em áreas de risco. Para o cálculo, a SMHARF considera R$ 93,7 mil de bônus-moradia. Além disso, o custo com aluguel-social para colocar essas pessoas em habitações já existentes seria de R$ 12,5 milhões. Por isso, em princípio, ele apela para a conscientização da população. “Não cabe no orçamento uma remoção global. Não é a solução possível. Precisamos trabalhar com a mitigação de risco”, afirmou.

Outro problema elencado pelo prefeito é a limitação imposta pela escassez de recursos tecnológicos. De acordo com Melo, o único radar meteorológico do Rio Grande do Sul fica localizado em Canguçu, no sul do estado, o que seria insuficiente para atender as necessidades da população da Capital. Mesmo que houvesse um sistema de alarmes para avisar as pessoas quando precisam deixar os imóveis em função de tempestades, a imprecisão poderia levar ao descrédito por parte das famílias e, segundo o prefeito, tornar o modelo inoperante. Para isso, Melo cobrou uma aproximação entre as esferas municipal, estadual e federal.

“Temos que ter uma governança metropolitana, não só de Porto Alegre. A gente tem ciência disso, lamenta o aumento. A pandemia deixou os pobres mais pobres. Tem todas as dificuldades do mundo, mas tem a vontade, o desejo, a consciência de que temos de encontrar soluções”, apontou.

Número de setores de risco muito alto aumentou ainda mais 

Em 2013, o mapa das áreas de risco na Capital apontava para 119 setores. Cinco deles deixaram de ser considerados de risco, mas 45 novos surgiram e outros foram aglutinados, chegando a 142. Para piorar, conforme a geóloga Débora Lamberty, que conduziu o estudo, o número de pessoas em áreas de risco alto subiu 46,5%, e em setores de risco muito alto aumentou ainda mais: 484,5%. “Teve um adensamento bem considerável nessas áreas de risco”, constatou.

O mapeamento aponta para dois problemas principais: ocupação em encostas de morros ou na base de taludes rochosos e na planície do Guaíba, nas ilhas fluviais do Delta do Jacuí e no entorno de arroios e fundo de vales. Em ambos os casos, os riscos de deslizamento ou inundações podem ser bruscos ou se estender por longos períodos, de acordo com a localização.

O bairro Arquipélago, onde ficam as ilhas, é o que teve mais áreas identificadas como de risco: 14. Em seguida vem Jardim Carvalho, com 10, Coronel Aparício Borges, com nove, e Serraria, Cascata e Lomba do Pinheiro, com oito. Os outros 36 bairros têm entre seis e um ponto de risco. “Temos muitas soluções de engenharia que podem garantir a segurança. Uma obra bem executada, com respaldo técnico, garante a segurança daquela população. Mas tem áreas de risco em que medidas mais simples já resolveriam o problema, como o desassoreamento. Às vezes a inundação é causada por uma ponte que é muito baixa e faz um barramento do canal. Tem que ser avaliado caso a caso, área a área”, explicou Lamberty.

Já Machado recorda que o diagnóstico feito após a morte de uma mulher na Rua da Represa, no Aparício Borges, em 2017, não evitou que houvesse outra vítima de uma enxurrada no ano passado. Em agosto, quando o trabalho de mapeamento já estava em curso, um homem de 45 anos foi arrastado pela força da água e encontrado no dia seguinte no Arroio Dilúvio.

“Estamos sublinhando um problema que existe, mas temos muitas famílias vivendo há muitos anos nessas áreas. O principal instrumento que temos neste momento é a informação. Ainda no mês de abril faremos a capacitação dos servidores municipais junto ao CPRM e ações comunitárias de prevenção de risco e educação ambiental com os 17 núcleos comunitários da Defesa Civil. Nosso foco primordial é a garantia da vida”, afirmou o secretário.

O plano de prevenção segue ainda com isolamento e sinalização massiva das áreas de risco identificadas. Na sequência, a prefeitura pretende elaborar planos de engenharia e de demolição. Após, o encaminhamento das famílias para moradias provisórias ou definitivas, com remoção coercitiva, caso necessário. E, por fim, um plano de resposta com a atualização do Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil e a implantação do SOS Moradia, ainda sem data.

Melo desconsidera rever terceirização de podas

Uma das alternativas para evitar erosão do solo e deslizamentos é a ampliação das áreas verdes. Porto Alegre tem, conforme a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade, entre 1,2 milhão e 1,3 milhão de árvores. Mas o número é uma estimativa. Melo admite que a prefeitura também não tem este dado com precisão. “Tem tecnologia para chipar árvore? Tem. Custa muito dinheiro e a prefeitura não tem como tirar de outras áreas para fazer isso”, afirmou.

Ainda assim, a prefeitura terceirizou o serviço de podas de árvores. Em casos de zonas de risco, a população precisa fazer o pedido, a empresa responsável avalia e realiza o serviço conforme um cronograma e a administração municipal fiscaliza. “A terceirização é uma realidade que vai aumentar na nossa gestão. O que vai melhorar é a fiscalização de contrato. Eu não concebo, nem que a vaca tussa, fazer concurso para alguém podar árvore. Tem que fazer concurso para melhorar a fiscalização de contrato e a entrega”, sentenciou o prefeito.

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