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Nosso corpo, nossas regras

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Nosso corpo, nossas regras Foto: Geraldo Magela/Agência Senado (Arquivo 2016)

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou o seu pedido na terça-feira (11). O apelo da mulher já havia sido negado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Votou contra o relator do caso no STF, o ministro terrivelmente evangélico André Mendonça, mas não só ele. Gilmar Mendes, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski também foram contrários; apenas Edson Fachin divergiu.

Enquanto os homens de toga debatem, essa mulher de São Luiz Gonzaga está no sexto mês de gravidez de gêmeos siameses sem chances de sobrevivência.

A inviabilidade de sobrevida dos bebês e o risco de vida da gestante foram constatados pela equipe médica da Prefeitura de Porto Alegre, e embasam o pedido de autorização da interrupção da gestação, ao qual estão favoráveis a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, que representa a mulher no caso, e o Ministério Público Federal. Há ainda a chance de ruptura uterina e de doença hipertensiva ou diabetes gestacional, além de danos psíquicos.

Para quem não lembra, há três situações no Brasil em que o aborto é permitido: gravidez decorrente de estupro; risco de vida à mulher; e anencefalia fetal. Mendonça argumentou que a previsão legal para bebês anencéfalos não poderia ser aplicada neste caso. Além disso, afirmou que, se há risco de morte da mãe, a decisão caberia aos médicos, nem precisaria ser levada ao judiciário – a questão é que o risco não é iminente.

Seis meses de gestação. Vocês conseguem imaginar como essa mulher passa os dias e as noites?

Fachin parece que sim. Ele discorda de Mendonça e defendeu a aplicação da ADPF 54 (que trata dos casos de anencefalia) por entender que o texto “não se limitaria a uma condição, mas à inviabilidade da vida extrauterina de modo geral”, conforme explica reportagem do Jota. O ministro ainda destacou a “definição constitucional atinente à laicidade, dignidade humana, autodeterminação e saúde das mulheres”. Ele também defendeu que o Judiciário sinalizasse que não haveria criminalização em caso de interrupção diante dos riscos à mulher, a fim de evitar “uma segunda vitimização de quem, pelas próprias circunstâncias, acha-se em profunda vulnerabilidade e sofrimento”. Profunda vulnerabilidade e sofrimento.

A solução para esse tipo de pesadelo é uma só: legalizar o aborto para que seja uma decisão da mulher.

Mas isso é sonhar alto demais em um país cujo governo cortou 99% da verba de ações para mulheres e tem ex-ministro e candidato a governador falando em “primeira-dama de verdade”.

Mapa do aborto legal

A ONG ARTIGO 19 lançou recentemente uma edição atualizada do Mapa do Aborto Legal, que monitora informações públicas sobre aborto legal e direitos sexuais e reprodutivos no Brasil. Lançada em 2019, a plataforma divulga os hospitais que realizam os procedimentos autorizados pelo Judiciário. Das 132 instituições contatadas, 73 afirmaram que realizam a interrupção nos casos previstos em lei – a região sul do País conta com apenas seis.


Marcela Donini é editora-chefe do Grupo Matinal Jornalismo.
Contato: [email protected]

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